Rodrigo Lopes

Rodrigo Lopes

Formado em Jornalismo pela UFRGS, tem mestrado em Ciência da Comunicação pela Unisinos e especialização em Jornalismo Ambiental pelo International Institute for Journalism (Berlim), em Jornalismo Literário pela Academia Brasileira de Jornalismo Literário, e em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS. Tem dois livros publicados. Como enviado do Grupo RBS, realizou mais de 30 coberturas internacionais. Foi correspondente em Brasília e, atualmente, escreve sobre política nacional e internacional.

Atentado em Nice

Muito mais do que um massacre

O horror vai além dos dois quilômetros da Promenade des Anglais

De todos os países europeus, a França é o que mais tem sofrido com o terrorismo

O massacre de Nice é o quinto grande atentado na Europa – e o terceiro na França – em apenas um ano e meio. Militarismo nas ruas e reforço nas fronteiras e nos aeroportos passaram a fazer parte do cenário no continente. Mas como evitar que um caminhão seja jogado contra uma multidão? Nada parece ser suficiente, e a União Europeia, por isso, está atônita. O horror atingiu muito mais do que os dois quilômetros da Promenade des Anglais. Veja o impacto...

... na política francesa

De todos os países europeus, a França é o que mais tem sofrido com o terrorismo – Charlie Hebdo, Bataclan e, agora, Nice. É também o que mais tem se envolvido no combate ao terrorismo dentro e fora de seu território – na Síria e no Iraque, contra o Estado Islâmico (EI). Em 2014, o EI difundiu uma cartilha conclamando franceses de origem muçulmana a atentar contra cidadãos... franceses, fazendo uso de qualquer "arma" a sua disposição: de facas a caminhões. Ganham ainda mais força os partidos de direita: Marine Le Pen, da Frente Nacional, disse que "a guerra ao terror não começou de fato". Alain Juppe, ex-primeiro-ministro conservador, fala em falhas no dispositivo antiterrorista. O terror encontra um país fracionado pelo populismo de direita em ascensão, por conflitos trabalhistas e pelo eterno dilema entre os valores republicanos e laicos e a falta de integração da minoria muçulmana.

... na segurança

A França é um país com um aparato de segurança vigoroso e está sob estado de emergência desde novembro, que será prorrogado. Após os ataques de novembro, cerca de 10 mil militares foram deslocados para vigiar centros religiosos, colégios, estações de trem e aeroportos. Não foi suficiente. Há impotência e perplexidade. Não há como garantir 100% de segurança – muito menos em casos de ataques dos chamados lobos solitários. A presença de militares com fuzis e coletes à prova de balas é parte da paisagem do país. Governo e parlamento aprovaram pacotes de leis antiterroristas, que colocam o cidadão comum sob a mira da espionagem eletrônica. Mas o país não tem agentes suficientes para monitorar sequer os cerca de 10 mil "radicalizados".

... no turismo

O terror atinge em cheio o turismo, responsável por 7% do PIB do país. Depois da famosa casa de teatro Bataclan, do Stade de France, é a vez da Nice dos hotéis luxuosos, das mansões, dos iates e de sua costa azul mediterrânea. A repetição de atentados pode desestimular turistas por um bom tempo.

... na guerra ao EI

A França deve aumentar as ações de sua aviação na Síria e no Iraque, bastiões do Estado Islâmico.

... na xenofobia

Nos últimos anos, tem havido enorme aumento de atos contra muçulmanos na França. Os ataques reforçam o discurso contra o Islã e a imigração vinda do Oriente Médio e do norte da África. O tamanho da população estrangeira na Europa é de apenas 4%, segundo a Eurostat, agência estatística da UE. É importante lembrar que a guerra dos terroristas não é só contra o Ocidente, mas também contra muçulmanos tidos como "infiéis". No total de ataques terroristas no mundo, há mais vítimas muçulmanas do que de outras crenças – um exemplo é o atentado em Bagdá, que matou 250 pessoas há duas semanas – embora nem sempre chamem tanto atenção quanto os que ocorrem na Europa.

... na União Europeia

O ataque é um golpe contra a França, mas também a todo o continente. A UE está em meio a uma crise de identidade com a saída do Reino Unido e enfrenta o terror em seu estado puro. Esses ataques golpeiam o estilo de vida do Ocidente e seus valores. A luta antiterrorista foi acrescentada à agenda de discussões dos 28 ministros das Relações Exteriores do bloco, na segunda-feira, em Bruxelas. Após grandes ataques a Bruxelas e Paris, ocorreram as mesmas reuniões de emergência. Nada resultou de concreto.

... na livre circulação

O terrorismo põe em xeque o estilo europeu de bem viver, da garantia do estado laico, dos valores humanistas e de livre circulação. Ganha força o discurso de fechar fronteiras e suspender temporariamente garantias de privacidade.

... na eleição americana

Nos EUA, a exploração do medo é parte do jogo político há décadas. Mas Donald Trump faz uso perfeito dessa artimanha eleitoreira, ao demonizar estrangeiros – em especial muçulmanos –, principalmente depois das chacinas de San Bernardino e da boate gay de Orlando. Ganha adeptos sua ideia de construir um muro entre o México e os EUA, sem falar na proposta de deportar ilegais. Hillary despencou nas últimas semanas nas pesquisas, Trump está mais vivo do que nunca.


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