* Escritor
Há pessoas que invertem a expressão popular. Nem sete palmos de terra lhes cobrirá a vaidade e ingressarão no além com a mesma fatuidade do aquém. Há poucos dias, votando a favor da libertação de José Dirceu, Gilmar Mendes se referiu aos procuradores federais da Lava-Jato como jovens que não teriam "vivência institucional". E complementou, dirigindo-se a um colega: "Se nós cedêssemos a esse tipo de pressão, nós deixaríamos, ministro Lewandowsky, de ser supremos".
Chega a assustar! Pode um ministro de presumível sabedoria, encarapitado no cume do poder onde atua, justamente quando fala sobre o valor da vivência institucional, adjetivar-se e a seus pares dessa maneira? Não. E não concebo que Gilmar Mendes faça isso em estado de exaltação. Vejo a frase como ato tão falho quanto simbólico do patrimonialismo incrustado em nossa cultura política, a contaminar as instituições e suas práticas. Num dos desvios por onde esse mal nos conduz, o ato de posse vira uma espécie de escritura de propriedade lavrada em favor do titular. No entanto, tomar posse não equivale a ser dono do cargo; antes, significa ser formalmente possuído pelos encargos que lhe são inerentes.
Foi tudo muito paradigmático, nas concessões daqueles polêmicos habeas corpus pela 2ª Turma do STF. É impossível não perceber, nos votos vencedores, os olhos fixos nos calhamaços de papel, tendo a nação, de quem se diz ser "soberana", como estática paisagem, em cujo agravo os habeas corpus foram sendo concedidos. Jayme Eduardo Machado, com a autoridade de quem já foi subprocurador-geral da República, em ZH do dia 5 deste mês, qualificou essa desatenção à sociedade como "autofágico desvio", capaz de minar de descrédito o poder.
Posteriormente, ao indignar-se com a atividade do colega Fachin, que deslocou para o Pleno a decisão sobre o habeas corpus de Antonio Palocci, Gilmar Mendes revelou a intenção de impor sua vontade com base na maioria de 3 a 2 que se formou na 2ª Turma do STF. Serão razões e fundamentos tão retos e jurídicos quanto os que fizeram seu colega Lewandowsky, brandindo a Constituição, fatiar a pena imposta pelo Senado à ex-presidente Dilma? É uma surpreendente indignação essa dos ministros que resolveram soltar meliantes prudentemente encarcerados pela Lava-Jato. Talvez tenham pensado: "Quem esse juiz e esses garotos do MPF pensam ser para andarem por aí criminalizando criminosos tão incomuns?".
Por fim, vale lembrar que o STF não é o poder supremo da República. Ele ocupa a cobertura no edifício do Direito, justaposto ao qual, mas não subordinado a ele, está o edifício da Política. Cuide o STF de ser um bom Supremo em seu condomínio e não se meta a Poder Moderador, supremo sobre os demais, como reiteradamente vem tratando de ser. Tal figura não existe em nossa Constituição. Investir-se nela é usurpação. Contudo, não era a vaidade o pecado favorito do personagem John Milton em O Advogado do Diabo?
Do jeito que as coisas vão, a vaidade acabará senhora suprema do Supremo. Sob seus influxos se dilatam as demasias, se ampliam os votos, perde-se tempo, a justiça se arrasta, se rebusca a linguagem, e as frases, não raro, parecem uma bandeja de petit fours glacés. A vaidade se nutre da lisonja. A admiração se alimenta do serviço à nação. No campo da Justiça, a nação se submete ao STF. Mas admiração, reverência, presta a Sergio Moro e à Lava-Jato. Diante do espelho, a vaidade que aqui menciono não verá inveja?