Nossa crise (alguém ainda vai inventar um nome carinhoso para ela) foi cuidadosamente providenciada. Não há país que resista à experiência pela qual o Brasil passou. Talvez nos faça bem lembrar que, durante longos anos, estivemos sob fortíssima influência de uma verdadeira frente única do insucesso. Marilena Chauí era a filósofa do governo e a economia foi para o abismo com o receituário "desenvolvimentista" (!) dos seguidores de Maria da Conceição Tavares. Traçados pelo companheiro Paulo Freire, os objetivos políticos revolucionários degradaram a educação. A diplomacia era regida pelas estratégias bananeiras e bolivarianas de Marco Aurélio Garcia. O pensamento político usava os neurônios marxistas de Emir Sader. As referências comerciais eram dadas por Eike Batista e Marcelo Odebrecht. A mobilização social corria por conta das falanges de João Pedro Stédile. Enquanto, parcela significativa dos partidos da base, em organização criminosa, saqueava o Estado, Leonardo Boff encenava a direção espiritual e Luiz Inácio Lula da Silva, primus inter pares, regia o elenco. Falta muita gente na lista, mas basta. Disso tudo nos livramos.
Interpelou-me um leitor: "Não fui à rua pelo impeachment para ver Temer dando cobertura à quadrilha que governava o país. Ele estava profundamente contrariado pelo tipo de relação que o presidente mantém com gente cujo prontuário não estimula a presunção de inocência nem recomenda absolvição coletiva. Respondi: "Nem eu. Não conheço quem tenha feito daquela mobilização uma espécie de campanha tipo Temer já ou Temer lá". O vice-presidente era o beneficiário incontornável, porque constitucional, do impeachment de Dilma Rousseff. Contudo, de um lado, não levava jeito para o papel de S. Thomas Morus da Sétima República; de outro, o Congresso que a nação elegeu em 2014 - culpa de eleitores, do modelo institucional e dos fatos - jamais proporcionaria base para um governo de virtuosos.
Em razão desse quadro, a primeira pesquisa de opinião sobre o governo Temer, aos dois meses como substituto provisório, em julho de 2016, já o posicionava com aprovação de apenas 14%. Um mês depois, ele era vaiado na abertura dos Jogos Olímpicos. Dilma, em maio do mesmo ano, fora aprovada por apenas 13%. Ou seja, a população via o peemedebista como rescaldo da realidade política anterior ao impeachment. Mesmo assim, é fato: somente um governo que consiga combinar base parlamentar sólida com desapego à popularidade pode adotar as duras medidas que vêm sendo adotadas e a realidade exige. Sem elas, o país não sai da valeta da recessão e da insolvência em que foi jogado como peso morto enquanto Lula o segurava pelas mãos e Dilma pelos pés, durante a obra ruinosa que conduziram.
Estão presentes, na realidade brasileira, fatores de risco que inibem o desenvolvimento econômico e põem na perspectiva o agravamento da crise política. Se advier um novo período de instabilidade, a degradação social acabará venezuelizando o país. O Brasil que se leva a sério não negocia valores morais e apoia a Lava Jato, operação indispensável à recuperação da dignidade nacional e à punição de todos os culpados; percebe e denuncia acumpliciamentos que clamam por explicações à polícia, ao ministério público e às cortes. No próximo dia 26 de março, esse Brasil gritará - "Não ousem preparar ou palmilhar os caminhos da impunidade!". Mas, ao mesmo tempo, firma os pés no chão dos fatos e sabe quanto os próximos dois anos são decisivos para milhões de famílias que padecem o desemprego. Por isso, não assume os riscos de uma nova crise institucional.