O tema hoje é o que mais almejam os seres humanos: a felicidade. Já escrevi certa vez que os filósofos erram quando dizem que o supremo dever do homem é a busca da felicidade. Se os próprios filósofos declaram que a felicidade, por ser efêmera, não existe, como pode ser dever do homem procurar o que não existe? Então, eu corrigi os filósofos: por revés, o dever do homem na Terra é buscar ser menos infeliz.
Aí que entra o célebre verso do Ataulfo Alves, o grande sambista: “Eu era feliz e não sabia”. Esse verso é uma adaptação do dito de filósofos, que sempre perquiriram que o homem muitas vezes não sabe que é feliz. Eu iria mais adiante: o homem só é feliz quando não sabe que é feliz, o que no fim das contas nada significa. E por outra parte pergunto: não é de todo pertinente que o homem também não saiba que é infeliz? Eu, de minha parte, garanto que o homem só pode se sentir feliz quando, sem saber, ele é infeliz. Ou de maneira mais radical: só um idiota pode se sentir feliz.
Só pode dizer que era feliz e não sabia quem venha posteriormente a ser tão infeliz, que passe a invejar o estado anterior que ostentava. “Eu era feliz e não sabia” quer dizer que não gozou da felicidade por desconhecer que com ela tratava. E só agora, que é infeliz, tem consciência de que aquele estado que vivia era o de felicidade. Ora, quem é feliz e não sabe que é feliz, por lógica, não é feliz. Em suma, para ser feliz é preciso sentir-se que é feliz.
Já aquele que é infeliz e não sabe, por lógica, é feliz. É uma espécie de loucura delirante, a pessoa sofre e não sabe que sofre, por consequência não sente a dor e o infortúnio quando estes batem à sua porta, invadem seu domicílio e a submetem. Ou seja, os que são infelizes e o desconhecem ou são muito fortes, ou estão loucos. Pode-se dizer que são felizes.
É que no meio desses estados existem outros mil, como, por exemplo, o dos que são felizes tão somente por estarem sempre esperando a felicidade. É a felicidade da esperança, a felicidade dos crentes que têm a certeza de que Deus virá para chamá-los para o reino dos céus. A única felicidade para eles consiste em esperar a felicidade. Isso é o que se chama de sonho. O sonho é o lenitivo para o sofrimento, sofre-se, mas mergulhando no sonho o sofrimento passa a não doer, passa a não existir, sobrepujado pela esperança.
Além disso, o estado de felicidade é sempre cotejado com a felicidade ou a infelicidade alheia. É impossível ser feliz se moram ao nosso lado ou convivem conosco pessoas que consideramos felizes. A felicidade alheia, muitas vezes, é a causa única da nossa infelicidade. Muitas vezes é impossível para nós encarar com naturalidade a felicidade alheia. Ela nos agride e não raro nos torna infelizes. Por todas essas barafundas, não há nada mais difícil, senão impossível, do que ser feliz.
* Crônica publicada em 25/04/2010