Hoje quero falar sobre um assunto que é motivo de intensa preocupação para mim, mais do que preocupação – angústia. Posso confessar que evito, por desgosto, ler o noticiário brasileiro? Estou na posição paradoxal de alguém que escreve regularmente para um jornal brasileiro, mas que tem grande dificuldade de ler notícias sobre o país!
Falta-me tempo, também. Vivo sobrecarregado aqui em Xangai. Mas antes fosse só isso. A verdade, leitor, é que em toda a minha vida nunca vi o Brasil numa situação como esta, que conjuga dificuldades simultâneas e graves nas áreas econômica, social, política, de segurança pública e até de segurança nacional.
Tomo como "gancho" entrevista ao jornal Valor Econômico (17 de fevereiro) do comandante do Exército, general Eduardo da Costa Villas Bôas. O general disse várias coisas importantes, começando por sua avaliação da natureza da crise brasileira – algo que atinge "nossa essência e nossa identidade". O Brasil já teve identidade forte, sentido de projeto, ideologia de desenvolvimento, lembra o general. Mas isso se perdeu. "Hoje somos um país que está à deriva", com a sociedade dividida e o Estado subordinado a interesses setoriais.
Sobre a Lava-Jato, o general Villas Bôas está certo em dizer que ela é a esperança de uma mudança ética no país, o que justifica o protagonismo da Justiça e do Ministério Público. Faltou dizer, a meu ver, que a Lava-Jato cometeu erros que comprometeram a sua credibilidade. Juízes e procuradores precisam ser isentos e imparciais, devem se ater ao que está na lei e respeitar as garantias básicas. A lei prevê presunção de inocência e sigilo das informações. Informações obtidas ilicitamente não podem ser consideradas. Além disso, cabe lembrar que é preciso, sim, punir corruptos e corruptores, mas sem destruir companhias brasileiras.
Mas, enfim, o general Villas Bôas tem razão quando responde à pergunta: o que pode acontecer se a Lava-Jato atingir a todos os partidos indiscriminadamente? "Que seja", diz ele. "Esse é o preço que se tem que pagar. Esperamos que tenha um efeito educativo".
Há quem peça a intervenção militar. A esses o general responde "não pode haver atalhos": o Brasil é um país mais complexo e sofisticado do que era em 1964. Existe hoje um sistema de pesos e contrapesos que dispensa a sociedade de ser tutelada, lembra.
Outra preocupação: a segurança pública no país é uma calamidade. O militar menciona dados para fundamentar a linguagem forte: por ano, são cerca de 60 mil pessoas assassinadas e 20 mil desaparecidas; cem mulheres são estupradas por dia. A Polícia Federal estima que aproximadamente 80% da criminalidade esteja ligada direta ou indiretamente às drogas. O narcotráfico se organiza cada vez mais e aumenta sua capacidade de contaminar as instituições. O Amazonas virou grande corredor de passagem de drogas, observa o general. E não há garantia de segurança dos nossos 17 mil quilômetros de fronteira.
Os militares são servidores do Estado nacional. Merecem, por isso, nosso respeito e atenção. Aliás, leitor, quero dar o meu testemunho: as carreiras de Estado constituem um dos principais pontos fortes do Brasil – algo que nos faz sobressair na comparação com outros países emergentes e mesmo com países avançados. Refiro-me aos nossos diplomatas, aos funcionários do Banco Central, do BNDES, do Tesouro Nacional, da Receita Federal e de tantos outros setores da administração pública com os quais tive oportunidade de interagir ao longo da vida.
São essas pessoas que dão feição concreta, de carne e osso, ao Estado brasileiro, que garantem a continuidade da sua ação e que vão nos ajudar a superar a crise atual.
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