Não gosto de José Dirceu. Não o conheço pessoalmente, mas, como cidadão, tenho o direito de pensar assim, visto que ele, como se sabe, praticou corrupção da grossa quando era ministro. Embora negue até hoje, Dirceu foi apontado pela Justiça, em 2005, como grande maestro do mensalão, regendo com dinheiro público uma orquestra de parlamentares que, naturalmente, tocavam a mesma melodia do governo.
Dirceu foi preso e cumpriu pena após ter sido condenado. E foi condenado direitinho, não custa lembrar: ninguém diz que o julgamento do Supremo Tribunal Federal tinha cartas marcadas, interesses ocultos ou manipulação de fatos e provas. Afinal, até as pessoas de quem não gostamos — inclusive as corruptas — têm direito a um julgamento justo em uma democracia, não é? Pois ele teve. Ao menos nesse caso.
Nesta semana, o ministro Gilmar Mendes, do mesmo Supremo, anulou as condenações de José Dirceu em outro processo, nada a ver com o mensalão. Na leitura de Mendes, o juiz Sergio Moro, em 2016, não atuou com a isenção necessária para garantir que Dirceu tivesse um julgamento imparcial na Lava-Jato. Como não gosto de José Dirceu, até preferiria que isso fosse mentira, só que é verdade.
Sergio Moro, não há como discordar, transformou a vara de Curitiba em uma espécie de piquenique jurídico. Manteve comunicação informal com os procuradores, combinou passos do processo com eles e organizou estratégias para incriminar os réus. Foi como se a Justiça tirasse a toga para vestir a camiseta da acusação.
Não bastasse a pantomima, Moro ainda virou ministro de Jair Bolsonaro, maior beneficiado com as prisões de políticos que ele próprio havia condenado. Desculpa, mas não dá. Por mais incômoda que seja, a anulação das condenações tornou-se inevitável. E, se hoje muitos enxergam esse desfecho como evidência de impunidade, a culpa não é de quem corrige o processo, como fez Gilmar Mendes, mas de quem contaminou o tribunal com o peso das próprias inclinações.
Ironia das ironias: o fervor parcial de Moro acabou por abrir as portas para que Dirceu, com seu histórico de corrupção, fosse favorecido. Porque a Justiça, quando abandona a imparcialidade, trai a si mesma.