Minha avó, quando ia dormir lá em casa, pedia sempre para rezarmos antes de deitar. A gente fechava os olhos, eu e minha irmã ajoelhados no colchão, as mãozinhas unidas em frente ao queixo, "Pai nosso que estais no céu", depois "Ave, Maria, cheia de graça" e pronto, íamos dormir. Quer dizer: eu não dormia. Passava a noite em claro, temendo que um dia Deus me punisse por ter rezado sem fé. Será que Deus existe?, eu me perguntava. Porque, se não existisse, aquilo era perda de tempo. Mas, se existisse, duvidar dele poderia ser perigoso. Do alto dos seus quatro anos de idade, minha irmã tentava me deixar calmo:
— Não te preocupa, que eu sempre rezo para Ele te perdoar.
E eu torcia para que Ele a escutasse – na hipótese de Ele existir, claro. Por isso, a partir dali, peguei uma mania meio irritante. Bastava ganhar certa intimidade com alguém para já sair perguntando:
— Acredita em Deus?
Professores, colegas, primos, vizinhos, tios, amigos do pai ou da mãe, todos eram confrontados com minha angústia. E o que deveriam responder? Os adultos, inclusive os ateus (soube mais tarde que eram ateus), diziam sempre que sim, claro, acredito – ninguém queria ser responsável por macular a pureza intocada de uma criança. Só mais adiante, na adolescência, passei a ouvir o contraponto dos descrentes:
— Não existem evidências! Quem acredita é que tem que provar!
Mas por que teriam que provar? Desde quando quem sente algo precisa provar qualquer coisa? Se uma pessoa de fato sente a existência de Deus – como eu sinto, por exemplo, o amor de quem me ama –, a evidência é essa. Talvez Ele exista mesmo. Só que os fiéis, ao me responderem, com frequência escorregavam na mesma empáfia:
— Você aceitará Deus quando realmente precisar dele.
Blá-blá-blá, não vem com essa. De lá para cá, precisei dele uma meia dúzia de vezes e não creio que um momento de extrema dor ou desespero seja o mais indicado para uma avaliação sensata. Pelo contrário: adorar Deus porque preciso dele, sejamos francos, não é convicção, é interesse. Mas o curioso é que, embora argumento algum me convencesse, de certa forma eu invejava aquelas pessoas. Que paz deveriam sentir. Que delícia atravessar a vida carregando certezas tão invioláveis – ateus e fiéis, nesse ponto, eram iguaizinhos, nunca tinham qualquer vestígio de dúvida. Pelo menos eu achava que não tinham. Um dia, já trabalhando na Zero Hora, entrevistei o padre Fábio de Melo e perguntei:
— Como o senhor tem certeza de que Deus existe?
Ele sorriu, encolhendo os ombros:
— Não tenho certeza. Se tivesse certeza, não precisaria ter fé.
Achei tão bonito aquilo.
— Fé é confiança, não é certeza. A experiência da fé passa justamente por isso: por nos dispensar das certezas — explicou o padre.
Ora, faz todo o sentido. Por isso as pessoas dizem "eu acredito em Deus". Porque acreditam, presumem, supõem que Deus realmente exista. Se houvesse plena convicção dessa existência, ninguém precisaria "acreditar". Uma pessoa só acredita naquilo que julga provável, aceitável, possível. Ou seja, certeza, certeza mesmo, não há como alguém ter. Só depois de entender isso é que relaxei. Pude, enfim, chegar à minha própria resposta para aquela pergunta que tantas vezes fizera para os outros: Deus existe? Sinceramente, não sei. Não faço a menor ideia. O que sei é que, se eu pudesse voltar no tempo e dizer algo para aquele gurizinho rezando, seria:
— Faz o que tua consciência disser que é certo. Se Deus existe, Ele vai achar legal.