Confesso que esse papo de "pôr do sol mais lindo do mundo" me incomodava. Primeiro, porque existem outros pores do sol belíssimos – inclusive no Brasil –, mas, até aí, tudo bem: o orgulho de um povo não precisa ser racional, não precisa de embasamento técnico nem de dados estatísticos. Em uma cidade agonizante, como foi Porto Alegre nas últimas décadas, acreditar nessa glória talvez nos ajudasse a manter um pingo de amor-próprio.
O que me irritava mesmo era que nunca ninguém fazia coisa nenhuma para valorizar o diabo do pôr do sol. De que adiantava a população se envaidecer com o lusco-fusco se absolutamente nada, na configuração urbana da cidade, se encaminhava para que pudéssemos, de fato, apreciar com dignidade o anoitecer mais espetacular do planeta? Que porcaria de orgulho era esse que nos obrigava a entrar num matagal, ou numa ponta de orla abandonada, para aplaudir um espetáculo sem palco, sem holofotes, sem assentos, sem qualquer estrutura?
Corta para 2022 – Porto Alegre é outra, não dá para negar. Evidente que tem problemas, milhares deles, mas, por favor, não venha você, no meu aniversário, apontar defeitos no meu jeito, na minha aparência ou no modo como levo a vida. Pelo menos nesse dia, eu quero ovação. Quero o paparico de quem me rodeia, o louvor às minhas virtudes e o silêncio sobre as minhas falhas.
Assista, abaixo, ao sol se pondo no Morro Santana:
Dito isso, a maior vitória dessa nova Porto Alegre, que neste sábado (26) completa 250 anos, é ter finalmente entendido que uma cidade só consegue ser atrativa, só consegue ser interessante e entusiasmante, quando se conecta com a própria identidade. Ela precisa respeitar e valorizar o que tem de exclusivo, o que tem de único – porque é dali que sairá um atributo realmente genuíno, autêntico, singular. E nenhum outro lugar do mundo tem o pôr do sol no Guaíba. Porque o Guaíba só existe aqui.
Talvez não seja difícil encontrar crepúsculos até mais bonitos, mas nenhum outro se derrama sobre a maior pista de skate do continente. Nenhum outro pode ser contemplado dentro de um restaurante panorâmico que se equilibra em cima da água ao lado do Gasômetro. Nenhum outro reúne todas as classes sociais em um parque público projetado por Jaime Lerner, um dos urbanistas mais importantes da nossa época.
Aliás, minha esposa e eu, no mês passado, levamos ao Embarcadero uma amiga recém-chegada do Rio.
— Vais conhecer hoje o pôr do sol mais lindo do mundo — espetei o indicador no ar.
Não sei se ela concordou, mas quem se importa? Alguns sempre vão ter inveja. Parabéns, Porto Alegre, como é bom te defender.