Tenho pena do homem que vejo pela janela. Ele se prepara para atravessar a Avenida Jerônimo de Ornelas, de costas para mim, próximo ao Centro de Saúde Modelo. Não sabe que do terceiro andar acompanho sua marcha manca, sua dificuldade para empurrar um carrinho de supermercado vazio e arrastar pelo asfalto dois pés bem tortos. Não sei se é uma deficiência ou uma grave lesão, só sei que aquilo também lhe atinge as costas, encurvadas como um quebra-molas – mas ainda assim ele segue andando, devagarinho, agora quase no meio da rua.
A sorte é que já passa da meia-noite, não há mais carros. Porque não consigo imaginar no mundo inteiro alguém mais lento e vulnerável. Que homem magro. Deve ter a minha idade. Pelas roupas – uma bermuda frouxa que lhe expõe o início das nádegas e uma camiseta rasgada –, suponho que viva na rua. Quando enfim alcança o canteiro central, após uma operação custosa para subir o carrinho no meio-fio, eu vibro sozinho. Torço por ele daqui.
Seu alvo é uma sacola plástica atirada na grama, e tomara que tenha comida, tomara que alguém tenha deixado ali alguma coisa para um andarilho com fome. Ele apoia a sacola no carrinho, examina o conteúdo e leva algo à boca. Antes que eu sorria, cospe tudo e devolve a sacola ao chão.
Onde é que ele vai passar a noite? A quem esse homem pode recorrer? Porque, se fossem minhas pernas naquele estado, sei que agora eu estaria na cama. Se eu voltasse para casa naquele horário, minha esposa me receberia com um beijo. Se me sentisse infeliz ou talvez sem rumo, meus amigos ofereceriam apoio. São constatações sentimentaloides, talvez óbvias, mas parece inevitável concluir que tudo isso – cama, casa, amor, amigos – não passa do básico. Como um homem enfrenta o mundo sem nada disso? Como alguém suporta a vida sem o básico?
Enquanto ele furunga em um contêiner de lixo, já do outro lado da avenida, noto que ninguém o nota. Vejo meia dúzia de pedestres cruzando sua frente e me culpo por pensar que, se ele fosse um cachorro, poderia ter mais sorte: talvez se comovessem com aqueles pés retorcidos, talvez lhe dessem um cafuné.
Mas ninguém faz nada. Muito menos eu, que agora assisto àquele homem sumir de vista lentamente, carregando consigo o carrinho vazio e o meu respeito. Um respeito inútil, que não me impede de fechar a janela e depois dormir.