Em primeiro lugar, não adianta resistir: o carro é o novo cigarro – vai perder cada vez mais espaço, isso é inevitável.
Quando proibiram o cigarro em aviões e restaurantes, o impacto foi traumático para os fumantes, mas hoje nem eles enxergam as restrições como um equívoco. É um caso em que a mudança de cultura civilizou a sociedade. Foi assim também com a obrigatoriedade do cinto de segurança e com a tolerância zero para quem bebe e dirige.
Outro avanço vai ocorrer quando um veículo que transporta apenas uma pessoa – às vezes duas, raramente três – passar a ocupar menos espaço na via pública do que veículos que transportam 40. Todo mundo, inclusive os que agora dirigem carro, vão ganhar quando o transporte coletivo for prioridade na via pública. Por quê? Ora, porque se deslocar será 1) mais barato, 2) mais rápido e 3) mais confortável.
Vou comprovar tudo isso ao longo do texto, mas antes é importante reforçar: para Porto Alegre vencer a crise do transporte coletivo – a passagem é cara, o serviço é ruim e o sistema faliu –, a prefeitura só precisa de coragem. Coragem para apresentar um plano arrojado que, certamente, não vai agradar a todos em um primeiro momento.
Em vários países da Europa, por exemplo, ninguém estaciona o carro na rua sem pagar. Nada mais justo: é loucura achar que o poder público tem obrigação de resolver um problema que o cidadão criou para si mesmo. Se a pessoa compra uma geladeira e não tem onde guardá-la, o problema é dela. Por que com os automóveis deveria ser diferente?
Essa é uma entre muitas possibilidades de receita extra para o transporte coletivo. Com o dinheiro arrecadado no estacionamento em via pública, pode-se pensar em baixar o valor da passagem, aumentar a oferta de ônibus e melhorar o serviço. Outra opção de receita é taxar os aplicativos de transporte – empresas como a Uber ganham dinheiro usando a malha viária da cidade, construída com recursos do nosso imposto, mas não pagam sequer ISS em Porto Alegre.
Dá para fazer tudo isso, mas, claro, quem anda de carro está me odiando agora. Será que um prefeito toparia ser tão odiado?
O grande desafio é fazer dos ônibus um veículo competitivo, que possa inclusive recuperar os passageiros que perdeu para os aplicativos. Além do investimento em qualidade, já mencionado acima, infraestrutura é fundamental: se a prefeitura tirar completamente os ônibus dos engarrafamentos, com faixas exclusivas pela cidade inteira, garantindo que os ônibus cheguem ao seu destino antes de qualquer carro, é natural que os automóveis percam espaço.
Porque será mais vantajoso andar de ônibus. Ele será mais rápido (com mais lugar na via pública), mais barato (com a passagem reduzida) e mais confortável (com investimento em qualidade). Dá para fazer tudo isso, mas, claro, quem anda de carro está me odiando agora. Será que um prefeito toparia ser tão odiado?