Nunca entendi o que faz alguém arrancar a cabeça de uma girafinha. Pode parecer uma preocupação idiota, mas tem algo errado em uma cidade onde duas girafas de concreto, tão inofensivas e simpáticas, não resistem a duas semanas sem mutilações.
– Já foram mais de 70 consertos. Quatro só nos últimos dois meses – conta Robson Bubols, diretor administrativo da Escola de Educação Infantil Girafinha Travessa, na Rua da República.
Como pode ser tão frequente? Já arrancaram orelhas, antenas, rabos e patas, mas a decapitação é o golpe mais comum. Que o vandalismo virou uma praga endêmica em Porto Alegre, isso nós já sabemos, mas há outros equipamentos e mobiliários que atravessam meses sem depredações. Por quê?
Para buscar uma reposta – ou pelo menos uma hipótese –, procurei o psicanalista Mário Corso, que interpreta como poucos o comportamento humano. Ele tem uma suposição interessante: a de que os ataques são direcionados muito mais à escola do que propriamente às girafinhas.
– Sempre tive a impressão de que o sujeito que agride a escola, assim como a cultura, é alguém que não teve escola nem cultura. Ou, no mínimo, não teve como gostaria de ter tido: frequentou um colégio caindo aos pedaços, por exemplo – diz Mário Corso.
E a escolinha da Rua da República, como se sabe, é um ambiente de classe média na Cidade Baixa – organizado, bonitinho, aparentemente empenhado em amparar, celebrar e proteger a infância.
– Ali tem crianças que recebem cuidados que o agressor, provavelmente, nunca teve. Ao atacar a girafinha, que simboliza uma alegria infantil em frente à escola, é como se ele estivesse se vingando do desamparo que viveu – analisa o psicanalista.
Desde o fim de semana, logo após o ataque mais recente, câmeras de vigilância foram finalmente instaladas em frente à escolinha – nos próximos dias, placas anunciando o monitoramento serão fixadas no entorno. A ideia, além de espantar os vândalos, é entender como, quando e quem pratica as depredações. Mário Corso já deu uma pista.
Com Letícia Costa