Imagine se um ano atrás, quando Porto Alegre fez 248 anos, alguém dissesse que passaríamos o aniversário seguinte – este de agora, o ducentésimo quadragésimo nono – na mesma reclusão daquele fim de março. Sorte que ninguém previu isso, porque eu teria surtado.
Não vou nem entrar no drama econômico, também não vou falar de morte, já que a ideia aqui é homenagear a cidade. E minha relação com ela era intensa: nunca fui muito caseiro, sempre gostei da rua, do movimento, da turma no bar, do passeio no parque. Adoro Porto Alegre, essa é que é a verdade.
Aliás, no aniversário passado, trancafiado em casa no início da pandemia, escrevi que sentia falta de um cenário específico. Um cenário que só existe aqui, nenhuma outra cidade tem. Vou descrevê-lo de novo.
Aqueles ipês da Redenção, ali por setembro, quando chega a primavera, ganham lá em cima um colorido de flores que o espelho d'água reflete aqui embaixo. Essa imagem, por si só, já seria linda, mas o diferencial é que, no entorno do espelho d'água, as pétalas vão caindo e formando um tapete cor-de-rosa. Cara, não há nada igual àquilo.
Pois no texto do ano passado eu dizia que em setembro, quando a primavera chegasse, tudo já estaria mais tranquilo nos pagos de cá. Errei feio, como se vê – e foi bom ter errado, porque, se soubéssemos, amigo leitor, que atravessaríamos um ano inteiro separados de Porto Alegre, será que teríamos aguentado o tirão? Um ano sem fazer o que as pessoas nasceram para fazer: compartilhar espaços, interesses, sensações, atividades.
Hoje a cidade remete muito mais às fotos do talentoso André Ávila, que ilustram esta página, do que ao cenário florido que me arrebatava na Redenção. A Capital ficou soturna, melancólica, perdeu brilho e ganhou vazio. Paciência, tem que ser assim – até porque só valoriza a alegria quem um dia experimentou a tristeza. E estamos experimentando como nunca, mas hoje é dia de parabéns.
Parabéns a você, que descobriu uma capacidade de adaptação que mal sabia que existia: a gente se reinventou na forma de amar, de se relacionar, de trabalhar, de se divertir, de ganhar dinheiro, de viver. Foi assim a vida sem a cidade. E será assim a vida por mais um tempo. Meu incentivo ainda é pensar que, daqui a 12 meses, quando Porto Alegre completar 250 anos, já estaremos todos liberados para abraçá-la.