O rapagão de braço tatuado e barba rala já foi seminarista e militar, mas hoje ganha a vida de vestido, batom vermelho, peruca loira e seios falsos.
Aos 28 anos, o locutor Deivid Jorge Benetti enxerga o que já viveu como preparação para o que vive hoje: a personagem Valéria do Sul, que arranca sorrisos e conquista fãs em frente às lojas do Centro.
— No seminário, aprendi como passar uma mensagem. No Exército, entendi a importância da amizade. E, com a Valéria, uso tudo isso para mostrar que um abraço, um sorriso ou um elogio podem transformar o dia de alguém — afirma Deivid, que depois conclui: — Ela é uma forma de me levar ao céu.
Até pode ser, mas, por enquanto, Valéria tem sido boa em levar gente para as lojas: sempre com a agenda lotada, Deivid é disputado por comerciantes da região central. Proprietário de uma ótica na Borges de Medeiros, Rick Tailor Madruga garante que o movimento sobe de 30% a 50% às quartas-feiras, quando o locutor aparece.
— O cara tem uma empatia incrível. Não importa o que a pessoa está vestindo, ele oferece um café e já sai abraçando — conta Rick.
A coluna testemunhou esse carisma em ação: alternando vozes de criança, de tia com sotaque da Serra, de guria da Capital e da própria Valéria, Deivid improvisa diálogos hilariantes – reproduzidos aqui, eles talvez nem tivessem tanta graça, mas a figura, o jeito, a espontaneidade do locutor são impagáveis.
— Mas como é linda, vem cá um pouquinho! — Valéria já chega com elogio. — O boy já te deu presente este ano? Faz ele te comprar um óculos, senão vai seguir só te dando pão — provoca ela, porque Deivid um dia viu um casal de idosos discutindo: a senhora se queixava que o marido, morrinha, só sabia comprar pão.
Ninguém sabe explicar ao certo por que a personagem atrai tanta gente.
— Ele tem uma coisa diferente, não sei o que é. Eu passo por aqui e já fico mais feliz — diz a aposentada Terezinha Barilli, 64 anos.
Doze anos atrás, quando deixou o seminário ao concluir que “não tinha vocação”, Deivid ouviu do padre que ele faria mais por Deus acolhendo gente na rua. Chegou a virar soldado em São Gabriel, mas precisou voltar à Capital para cuidar da mãe, que mais tarde morreria de câncer.
Hoje, casado com a comerciante Madalena, o locutor diz que seu sonho é erguer uma igreja na Zona Sul, em homenagem a Nossa Senhora de Guadalupe:
— Sou muito devoto e prometi isso para ela. Trabalho todo dia pensando nisso.
Com Rossana Ruschel