
Já prevejo a reação, é sempre a mesma. Dirigentes vão perguntar "a quem interessa escrever sobre isso?", como se eu, gremista, quisesse desestabilizar meu próprio time. Torcedores vão me perseguir nas redes sociais, descobrir meu WhatsApp, fazer campanha para a RBS me demitir, ameaçar meus familiares, talvez descubram até meu endereço e, se me encontrarem na rua, tentarão me agredir em grupo. A procuradoria do TJD, espero estar errado, não vai dar a mínima para este assunto outra vez.
Não há exagero algum no parágrafo acima, é exatamente assim que funciona: não basta isentar de culpa quem canta "macaco" no estádio; a praxe é culpar quem acha errado cantar "macaco" no estádio. No Gre-Nal do domingo passado, na Arena, pelo menos três cânticos mencionavam a expressão: um dizia "olha a festa, macaco", o outro garantia que "macaco p*** segue sempre imitando", e o terceiro chamava os colorados de "macacada filha da p***".
A justificativa – como a reação – também é sempre a mesma: não se trata de uma expressão racista, dizem. Seria só uma provocação à mania colorada de imitar tudo o que o Grêmio faz. Outra desculpa é que os torcedores do Inter, nos tempos dos Eucaliptos, subiam em árvores no entorno do estádio para assistir às partidas feito macacos. Donde, o apelido.
Nunca vi um único documento, uma foto que seja, comprovando nada disso, mas, tudo bem, sigam cantando, sigam achando que a Arena é o único lugar do planeta onde "macaco" não é uma expressão racista, paciência, não posso impedi-los, mas sejam homens para aguentar críticas. Dezenas de milhares de gremistas, como eu, entendem que é detestável buscar explicações para barbaridades como "chora, macaco imundo". Por que seríamos contra o Grêmio ao defendermos um Grêmio melhor?
É bom deixar claro: sei que o clube, internamente, reprova a expressão "macaco". Não é de hoje que a direção promove campanhas meritórias, sempre lembrando que "somos todos azuis, pretos e brancos", mas a cantoria aludindo aos primatas é um tabu, ninguém toca no assunto. Sei também que a imensa maioria dos gremistas tem nojo do racismo – inclusive os que cantam "macaco" no estádio.
Somos a torcida mais criativa e empolgante do país. Não faz sentido ainda carregar esse peso.
Porque essa turma não acha racista chamar um colorado de macaco. Eles concordam que é racista chamar um jogador de macaco, chamar o juiz de macaco, chamar qualquer outro de macaco, mas eles honestamente e genuinamente entendem que o sentido do insulto muda quando o alvo é um torcedor do Inter. Eu entendo, só que não interessa.
Essa é uma expressão estigmatizada mundialmente: em qualquer lugar ela carrega a violência do racismo. Como exigir que somente aqui, a partir de argumentos duvidosos, todos interpretem o insulto da forma como o insultador deseja? Não dá.
A torcida do Grêmio é a mais empolgante do país. Mudou a forma de torcer no Brasil. Chamou a atenção do mundo com a criatividade das músicas e uma cantoria incansável. Não há gremista que não sinta orgulho disso, mas por que ainda precisamos carregar esse peso?