A notícia de que o Facebook vai lançar uma ferramenta para relacionamentos – acho sério demais "relacionamentos", mas "paquera" é coisa de velho, "namoro" soa restritivo e "pegação" parece vulgar – me fez lembrar da história do Júlio. Escrevi sobre ela há uns dois anos. Me chamaram de machista. Disseram que meu texto contribuía para a "perpetuação da cultura de objetificação da mulher".
Obviamente, não era minha intenção. Mas terei de relembrar a história para depois chegar aonde quero chegar.
O Júlio tinha uns 30 anos e, no dia seguinte ao fim do namoro, selecionou 15 mulheres no Facebook. As 15 mais atraentes da lista de amigos. Enumerou todas num caderninho, Aline, Bruna, Fabiana, Flávia, e chorou algumas vezes porque, no meio da pesquisa, não resistia em espiar o perfil da ex.
O Júlio estava mal. Muito mal. Ele amava a ex-namorada. Ainda assim, não levou cinco minutos para digitar no Word o texto que enviaria para todas as 15:
"Oi, Fulana. Tudo bem? :) Sei que não é a forma mais apropriada de fazer um convite, que talvez o ideal fosse falar pessoalmente, mas nem sempre é tão fácil. Desculpa ser tão direto (e sincero): te acho uma mulher incrível, especial de verdade. Ficaria muito feliz se a gente pudesse se conhecer melhor. Topa jantar comigo nesta semana? Um beijo".
Bom texto, não? Sensível, porém decidido. O Júlio foi abrindo as janelinhas por ordem alfabética, Aline, Bruna, Fabiana, Flávia, Joana, Laura Lima, Laura Maia, Marília, Marina, deu Ctrl C no Word e começou a colar o parágrafo nas janelas, apenas trocando "Fulana" pelo nome das moças. Quando enviou o texto para Viviane, a última das 15, teve um ataque de choro e lembrou do que sua mãe dissera mais cedo:
– Respeita o teu luto, meu filho. É o fim de um namoro, respeita o teu luto.
Ora, que tempo havia para luto? Com tanta gente disponível, com um dedo no enter lhe abrindo qualquer caminho, não seria uma idiotice sucumbir à dor e à reclusão de um eremita? Resumindo, a história termina com Júlio na cama com Paula, às quatro da manhã – ela dormindo e ele conferindo no celular outras oito respostas. Paula acorda, diz que gostou da noite, então nosso amigo vomita:
– Eu te amo.
Eis o que escrevi na época: "Júlio realmente a amava. Naquele dia, ele amava Paula. Como no dia seguinte tentaria amar Pâmela". Quase apanhei. Uma apologia da perversão!, um insulto às mulheres!, uma exaltação do machismo!, uma ode à frivolidade que norteia as relações atuais!, foi o que me disseram. Só que meu intuito era precisamente o oposto.
Ao contar a história do Júlio – um personagem fictício, um anti-herói que criei inspirado no que vejo todo dia –, a ideia era mostrar (e questionar) a pobreza emocional que perturba minha própria geração. Júlio não se permitia sofrer. Não se permitia viver o próprio luto, como lhe pedira sua mãe.
Enfrentar a tristeza, aceitar frustrações e refletir sobre a dor ainda é - e sempre vai ser - um desconforto necessário
Claro, com tanta gente acessível, com tanta fartura de opções no cardápio do Tinder, do Happn, do Instagram ou do Facebook, não é de se surpreender que a busca pelo prazer vire uma obrigação improrrogável. Aliás, a própria felicidade tornou-se uma imposição – sofrer, hoje, é coisa de imbecil.
Você só enxerga fotos de sucesso no amor e na carreira. Só enxerga frases edificantes, só enxerga gente bonita, só enxerga satisfações e viagens e festas e roupas e aventuras, então como é que você, seu perdedor de meia-tigela, pode achar minimamente aceitável sentir-se triste? Terminou com a namorada? Ora, mande uma mensagem para Aline, Bruna, Fabiana, Flávia, Joana, Laura, que alguma responde.
As redes sociais nos abriram horizontes, não há dúvida: nos permitiram contato com novas ideias, com novas formas de comunicação e com muita gente, de fato, interessante. É saudável aproveitá-las, assim como é saudável viver amores de todos os jeitos – inclusive com essa nova ferramenta que o Facebook vai lançar. Mas não dá para negar que tornar-se um Júlio é uma derrota.
Porque enfrentar a tristeza, aceitar frustrações e refletir sobre a dor, não tenho dúvida, às vezes pode ser mais rico do que um amor que dura uma noite.