Não sei vocês, mas eu exultei vendo aqueles 75 deputados, senadores, ministros e governadores, muitos do PT, muitos do PMDB, muitos do PSDB, do DEM, do PC do B, do PSB, quer dizer, políticos de todas as matizes, ideologias, credos e valores, todos eles respondendo à imprensa e à sociedade sobre suas aparições na animadora, auspiciosa e excitante lista de Fachin. Que lista, senhores, que lista!
Verdade que eles ainda serão investigados, portanto podem ser absolvidos, mas a lista de Fachin consolida uma certeza que há três anos vem sendo desenhada: não há governo, não há Congresso, não há Temer nem Cunha nem Lula nem Dilma que impeça o país de se livrar, mais cedo ou mais tarde, dessa endêmica praga chamada corrupção.
Podem chorar, excelências, esperneiem. Apresentem esses projetos de lei trapaceiros e imorais, continuem assim, é até bom vê-los apavorados diante da convicção aterradora de que a brincadeira acabou. Deu, chega, fim: vocês estão fritos. E o Brasil, embora muito brasileiro ainda duvide, avança para uma inevitável maturidade democrática – porque, ao soterrar a corrupção no governo, soterra-se também a corrupção social.
Outras crônicas de Paulo Germano:
Quando culpam a mulher, o refugiado, o pobre ou o eleitor
A lhama com cara de gente e o leão com cara de leão
Armas pela Vida e a interpretação de texto
Talvez o maior lugar-comum quando alguém analisa as agruras do Brasil seja este aqui: só temos um governo corrupto porque a população é corrupta. Ou ainda: nossos governantes são o espelho da sociedade. Há variações mais detalhadas do mesmo chavão, por exemplo: enquanto continuarmos a comprar pirataria, falsificar carteirinha, aceitar troco a mais, furtar TV a cabo, subornar o guarda e furar a fila, de nada adiantará reclamar dos políticos.
Quer dizer, a culpa é sempre nossa. Está errado.
Há uma tese antiga, vem lá de Platão e Aristóteles, que cunhou o termo mimetismo. Diz o seguinte: quando o ocupante de um cargo superior comporta-se de maneira imoral, seus subordinados sentem-se autorizados a fazer o mesmo. No Brasil, um país com apenas 30 anos de democracia, não é exagero dizer que os ocupantes de cargos superiores comportam-se de maneira imoral há 517 anos.
Atravessamos séculos de regimes arbitrários, e foi justamente esse Estado corrupto e tirânico que abriu caminho para as pilantragens cotidianas. Porque a democracia e o interesse coletivo se alastram para as relações sociais quando ditam a conduta dos comandantes. Valores vêm sempre de cima para baixo, de pai para filho, de professor para aluno, de governante para governado. É a tese do mimetismo.
Por isso, exultei com a lista de Fachin. Ela é a materialização de um passo à frente – um passo à frente desse país que, embora muitos insistam em negar, avança, e avança rápido, de dois séculos para cá. Quer ver?
Como bem lembrou o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, o Brasil só começou de fato em 1808, com a chegada da família real. Antes, era proibido abrir estradas, os portos eram fechados, não havia manufaturas, não havia escolas, não havia moeda. Noventa e oito por cento da população era analfabeta e um terço era de escravos. Para completar, herdávamos a tradição lusitana do último país europeu a acabar com a Inquisição, o tráfico negreiro e o absolutismo.
Apesar de tudo isso, em 200 anos viramos uma das 10 maiores economias do mundo. Estamos entre as principais democracias do planeta e retiramos dezenas de milhões de pessoas da miséria. Não há como negar que o Brasil foi um dos grandes sucessos do século 20, talvez o maior de todos. E, em uma única geração, nas últimas três décadas, demolimos o nosso flerte histórico com as ditaduras, ganhamos estabilidade monetária e vimos uma incontestável inclusão social.
O que nos falta? Muita, muita coisa. Mas acabar com a corrupção é um objetivo extraordinário, porque uma nova conduta moral nos governos deságua naturalmente na população governada. Estamos avançando: corruptos de verdade agora estão na lista de Fachin. Corruptos de verdade já foram em cana, e outros tantos ainda irão. Porque a culpa é deles, sempre foi. Nunca foi minha nem sua.