O Conselho de Ética da Câmara abriu um processo para discutir a cassação de Jair Bolsonaro (PSC-RJ), o mais truculento dos deputados brasileiros. Na sessão de 17 de abril, Bolsonaro invocou a "memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff" ao proferir seu voto a favor do impeachment da presidente. Ustra, todo mundo sabe, foi torturador no regime militar. Dilma, todo mundo sabe, combatia a ditadura no mesmo período.
Foi o suficiente para o PV ingressar com uma representação contra o deputado, pedindo sua cassação por "apologia ao crime de tortura". Desde lá, quem abomina o discurso autoritário de Bolsonaro está comemorando. É um erro. Como também foi um erro celebrar a decisão do Supremo Tribunal Federal que na semana passada aceitou uma queixa-crime de Maria do Rosário contra o deputado – em outro ataque de estupidez, ele disse que não estupraria a deputada porque ela não merecia.
Mas vamos por partes: primeiro, a apologia ao crime por exaltar Brilhante Ustra. Apologia ao crime, como certa vez alertou o jornalista Pedro Doria, é dos argumentos mais perigosos que se pode apontar contra a opinião de alguém. Eu, por exemplo, já escrevi colunas em defesa do aborto. É um crime. Há quem defenda o livre consumo de drogas, que também é crime, e há quem estimule a ocupação de propriedade privada por quem não tem moradia. Tudo crime.
Considerar alguns crimes defensáveis ou não tem mais a ver com ideologia do que com prudência. E só quando um imprudente manifesta sua opinião é que a tal liberdade de expressão é posta à prova. Não são os moderados nem os razoáveis que testam o direito à livre manifestação; são sempre os radicais, os sanguíneos, os extremistas como Bolsonaro. A liberdade de expressão funciona quando eles conseguem falar.
Combater um autoritário com medidas autoritárias – como cassar o mandato de um deputado por opiniões que, gostemos ou não, representam uma fatia do país – é um contrassenso que não enfraquece a postura de Bolsonaro, pelo contrário: autoriza e fortalece condutas autoritárias. Essa ânsia por um para-te quieto na tagarelice do deputado levou o próprio Supremo Tribunal Federal a atropelar a Constituição na semana passada.
É evidente que, ao dizer que Maria do Rosário não merecia ser estuprada, Bolsonaro ultrapassou qualquer limite do bom senso. Mas está lá, no artigo 53 da Constituição Federal: "Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". É a famosa imunidade parlamentar, que surgiu na Inglaterra do século 17 e hoje é adotada pela imensa maioria dos países democráticos. Ao tornar os deputados imunes a processos de calúnia, injúria e difamação, evita-se que eles sejam processados a cada discurso desconfortável para o presidente ou para algum colega. Está correto.
Só que esse direito gera um subproduto por vezes incômodo: o excesso, o abuso. Bolsonaro abusou do seu direito? Não há dúvida. Assim como Jandira Feghali (PC do B-RJ) talvez tenha abusado quando publicou no Twitter: "Aécio, o Brasil precisa saber de um helicóptero repleto de drogas". O senador Aécio Neves entrou no Supremo com uma queixa-crime contra a deputada, dizendo que nada tinha a ver com o helicóptero, mas o ministro Celso de Mello arquivou o processo porque "opiniões e palavras que ditas por qualquer pessoa podem caracterizar atitude delituosa assim não se configuram quando pronunciadas por parlamentar".
Quer dizer que um deputado pode falar o que quiser?
Sim, pode. A não ser que se mude a Constituição. Eu não acharia uma boa ideia. Prefiro que as opiniões de déspotas como Bolsonaro recebam a punição de quem tem poder para puni-los. E o poder é do eleitor.