A hipótese canalha é uma teoria do escritor Altair Martins que prega o seguinte: ao enfrentar um dilema moral, a primeira ideia que vem a nossa mente é sempre uma canalhice. Digamos, por exemplo, que você atropele alguém à noite, na saída do trabalho. Seu pensamento instantâneo será:
- Não vou parar.
É instintivo, dura uma fração de segundo. Logo você recobra seus valores éticos e muda de ideia - encosta o carro e vai socorrer o coitado. Se os dilemas morais fossem questões do Enem, a alternativa A seria sempre a hipótese canalha: vou ficar com os R$ 2 mil que achei nessa carteira; vou deixar para a próxima pessoa a reposição do papel higiênico; vou sair com essa gata que me dá mole, embora eu seja casado.
No fundo, portanto, somos todos canalhas. A ética e a moral, como dizia Thomas Hobbes, não passam de construções culturais - nada têm a ver com a natureza humana.
Dito isso, vamos ao que importa.
Desde ontem, não paro de especular qual foi a hipótese canalha que acometeu o apresentador do Miss Universo, Steve Harvey, quando ele se deu conta da monumental burrada que fizera. O que Steve Harvey pensou, de súbito, ao perceber que deveria ter anunciado a Miss Filipinas como campeã, e não a Miss Colômbia?
Posso enxergar Steve ali, ao lado do palco, segundos após gritar "Colômbia!" com vigor juvenil, orgulhando-se de seu desempenho irreverente no maior concurso de beleza do mundo, já recebendo os primeiros cumprimentos da produção, que também comemorava o sucesso do evento, até que uma moça ofegante de camisa preta lhe cutuca o ombro largo:
- Steve! Steve! Olha o cartão de novo, Steve!
Tenso com a expressão desfigurada da assistente, Steve Harvey enfia a mão direita no paletó branco e ergue o cartão na altura dos olhos. Percebe que há algo escrito embaixo do seu polegar, então ele arrasta o fornido dedo para fora da cartolina e... MISS UNIVERSE: PHILIPPINES.
Jesus.
Meu Deus, meu Deus, meu Deus.
Com a boca ainda aberta, Steve retira o cartão da frente do rosto e, ao retirá-lo, avista no palco a Miss Colômbia acenando sorridente. Com a coroa na cabeça. Chorando de alegria enquanto a ensandecida multidão aplaude seu triunfo.
Nunca houve na história do showbiz mundial momento tão apropriado para cogitar o emprego da hipótese canalha. E Steve Harvey pensa em simular um ataque epilético. Bastaria atirar-se no piso frio e encenar convulsões galopantes, babar na gravata-borboleta e revirar os olhos por um minutinho só, que logo viriam os seguranças para carregá-lo até a ambulância e, maravilha, alguém iria ao palco revelar que a miss correta, na verdade, era a Miss Filipinas, e todos entenderiam o pobre Steve Harvey, afinal um homem doente que...
- Steve! Você precisa voltar, Steve! - era a moça de camisa preta.
E lá foi ele, envergonhado, reconhecer seu erro e pedir desculpas, como um homem de verdade faz. Não sabe, até agora, se foi a melhor decisão.