Há um conto de Truman Capote que me faz chorar. Isso me irrita um pouco. Já o li mais de 30 vezes, sempre pensando "não vou chorar, não vou chorar, não vou chorar", mas logo alcanço o último parágrafo, aí uma bola de angústia me invade a goela, um tremor me ataca a pálpebra esquerda e - não consigo manter o controle - de novo começo a chorar. É meio chato.
Não sou de me emocionar com livros, tampouco me considero um chorão, então decidi que leria o tal conto para a minha analista. O nome da história é Um Natal, são sete páginas. Faz parte da coletânea 20 Contos de Truman Capote. Enfiei o livro na pasta e, sentado no lotação, a caminho da terapia, resolvi fazer um teste. Leria o conto ali mesmo, no veículo cheio, já que o ambiente era menos propício à choradeira - não havia o silêncio nem a intimidade do meu quarto. Abri o livro e comecei.
Truman Capote tinha seis anos na história. Depois da separação dos pais, quando ainda era bebê, fora entregue à família materna em uma remota cidadezinha do Alabama, onde o chamavam de Buddy. Nem lembrava da cara dos pais, mas vivia feliz no interior. Em uma manhã de dezembro, recebeu a assustadora notícia: seu pai queria passar o Natal com ele em New Orleans. Entrou em pânico, jamais havia saído dali, jamais dormira sem o beijo de boa-noite da sua velha tia e, pior ainda, morria de medo de estranhos - seu pai era um estranho.
Até aí, tudo bem, tudo em ordem no lotação, meu problema era o final. E logo contarei o final, mas não se preocupe: se quiser ler o conto depois, garanto que há mensagens mais profundas do que qualquer uma que conseguirei expressar aqui. Só que, não vou mentir, eu realmente adoraria se você chorasse agora comigo porque, me desculpe, alguém mais precisa chorar com esse negócio.
Após 10 horas de viagem, Buddy desceu do ônibus e foi tomado nos braços pelo pai, que ria, chorava, abraçava-o com força e gritava "meu Deus, que saudade!". No caminho para casa, o menino avistou um enorme avião de pedalar em uma vitrine: se imaginou voando entre as nuvens e falou que, se o Papai Noel lhe desse aquilo, seria a criança mais feliz do mundo. Três dias depois, ele ganharia o avião. Mas, na hora de embarcar de volta ao Alabama, o pai pegaria-o com força pelo braço, com um forte hálito etílico, a língua mole e uma garrafa de uísque na mão:
- Veja o que fizeram com você! Um menino de seis anos falando em Papai Noel! Tudo culpa daquelas solteironas! Deus não existe, Papai Noel não existe! Por favor, Buddy, diga que me ama! Diga, Buddy, por favor!
Essa parte já me dá um aperto. Um pai ausente, culpado e bêbado, implorando por um gesto do filho que era impossível. Por que o menino diria que o amava? Não havia qualquer motivo para isso. Que horror a vida de alguém que nem no Natal ouve "eu te amo" do próprio filho. Verdade que o Natal é só uma convenção, que qualquer data é oportuna para expressar o amor, mas, na terapia daquele dia, passei a enxergar o Natal como uma oportunidade.
Se o leitor me permite um conselho, diga hoje à noite que ama a quem há tempos não o ouve dizer. Direi isso ao meu pai, que agora não vejo faz um tempinho. Aliás, quando o pai de Truman Capote morreu, encontraram no cofre dele um postal que o filho enviara poucos dias depois de retornar ao Alabama. E é o conteúdo desse postal que encerra o conto:
"Olá pápi espero que você esteja bem eu estou e estou aprendendo a pedalar o meu avião tão rápido que logo vou estar no céu por isso fique de olho aberto e sim eu te amo Buddy".
Todos no lotação me ouviram chorar.