Esse projeto de lei da vereadora Séfora Mota (PRB), que pretende obrigar todos os restaurantes e bares de Porto Alegre a servir água filtrada de graça aos clientes, é o exemplo perfeito da política do parece bom. É um fenômeno disseminado por Câmaras e Assembleias de todo o país.
São sempre propostas simples, de fácil compreensão para qualquer eleitor, embaladas em um discurso maniqueísta que supostamente protege os fracos e enfrenta os fortes. Porque, vamos combinar, só um animal capitalista sem escrúpulos pode ser contrário a oferecer um copinho d'água ao pobre diabo que prestigia seu restaurante.
- Queremos induzir as pessoas a consumirem mais água - disse Séfora Mota em entrevista a Zero Hora.
Parece bom. Afinal, como diz a vereadora na justificativa do projeto, "a água é essencial à preservação da vida e ao bem-estar da pessoa humana e raramente deixa de ser consumida ao longo de um mesmo dia". Realmente, imagine uma "pessoa humana" atravessando um dia inteiro sem água. Não é mole.
Só que a política do parece bom nunca sugere, por exemplo, que se instalem bebedouros nas ruas da cidade. Ou que se façam campanhas conscientizando a "pessoa humana" a ingerir mais água. Não, a política do parece bom jamais onera o Estado - ela onera a dona Orilde, proprietária do Porta Larga, boteco aqui do lado da Zero onde a turma toma cerveja.
- E dinheiro para comprar o filtro? E lugar para instalar? E a manutenção? E vai gastar mais luz! E ninguém vai comprar água! - disse-me na sexta-feira a dona Orilde, que, claro, não sabia do projeto porque não foi consultada.
É natural que o Porta Larga ou qualquer outro bar, para compensar os gastos, considere a hipótese de subir o preço de comes e bebes. Ainda assim, entusiastas do projeto salientam que nos Estados Unidos e em países europeus ninguém paga água em restaurante. Verdade. Como ninguém paga água em restaurantes de Porto Alegre que já importaram essa cultura. E, por se tratar de uma cultura, e não de uma imposição, o mercado pode levar algum tempo para absorvê-la - é arbitrária essa mania de lei para tudo.
Séfora Mota, vale esclarecer, não é mal intencionada, claro que não. Mas também faz parte de uma cultura: a da política do parece bom. É a mesma cultura que produz meia-entrada para doadores de sangue e medula óssea - para citar um projeto que tramita na Câmara Federal -, como se solidariedade exigisse recompensa.
Também há na Câmara uma proposta de meia-entrada para professores, outra para beneficiários do Bolsa Atleta, outra para pessoas com deficiência mental, outra para estudantes de idiomas e concursos, e tudo isso parece bom. Mas é bom só para o deputado que abocanha os votos dessa turma toda. Para você, que não é professor nem beneficiário do Bolsa Atleta, o ingresso sairá mais caro porque as produtoras, que precisam lucrar, subirão os preços da entrada cheia.
Só mais um exemplo, que esse é ótimo: entrou em vigor no Espírito Santo, neste ano, uma lei que proíbe restaurantes de exibir saleiros em mesas e balcões. Porque o cidadão, um idiota, claro, não consegue evitar sozinho o excesso de sal na comida.
Mas, voltando a Porto Alegre, depois de derrubar por um único voto o projeto que proibia energéticos para adolescentes - a autora da proposta argumentava que a bebida era uma "porta de entrada" para o álcool, o que não compreendi até hoje -, os vereadores se defrontam de novo com a política do parece bom.
Pelo bem da dona Orilde, pelo bem do consumidor, que mandem essa ideia para o ralo. Porque não existe almoço grátis - e água também não.