Bárbara deu à luz sozinha, atirada num canto. Gritou, berrou, vizinhas que a ouviram também gritaram, correram em busca de ajuda, mas ninguém conseguia invadir o cubículo.
- Por favor, alguém ajude essa mulher, por favor!
Nada.
Logo ouviu-se o choro do bebê, ouviu-se a mãe chorando também: a criança tinha nascido como um bicho qualquer naquela solitária da Penitenciária Talavera Bruce, no Rio de Janeiro. Bárbara Oliveira de Souza, 35 anos, e a filha recém-nascida foram para o hospital com o cordão umbilical ainda pendurado entre elas.
Acusada de tráfico, presa em abril fumando crack na calçada, Bárbara fora mandada para o isolamento com 41 semanas de gestação - poderia parir a qualquer momento. Motivo do castigo: comportamento agressivo, resultado das crises de abstinência. Para completar a desgraça toda, um laudo médico a diagnosticou com depressão profunda e outros problemas mentais.
Não há dúvida de que os presídios revelam a faceta mais pavorosa do Brasil. Primeiro, claro, pelo tratamento hediondo dispensado a detentos como Bárbara, mas também pela sucessão de incoerências que norteia as opiniões da sociedade sobre o assunto. Por exemplo: você deve estar pensando agora que sou um comunista-esquerdopata que deveria pegar meus direitos humanos e enfiá-los em Cuba, mas você está errado. Se eu fosse tudo isso, não consideraria a esquerda brasileira o maior covil de omissão e demagogia no que se refere aos tais direitos humanos: em 13 anos de PT no governo, não foi movida uma palha para levar um pingo de dignidade, se não a Bárbara, à sua filhinha recém-nascida - e me poupe da desculpa de que presídios são responsabilidade dos Estados, porque problemas endêmicos são responsabilidade de presidentes.
Agora falemos de você, que talvez seja cristão, como são cristãos 85% dos brasileiros. Não há nenhum argumento, nenhuma hipótese razoável que justifique um cristão dizer que bandido bom é bandido morto. Sugiro que abandone sua religião imediatamente e procure, quem sabe, fundar outra na qual você mesmo seja Deus: aí, sim, poderá decidir com propriedade e orgulho quem morre e quem vive - inclusive ignorando o que ensinava Jesus: "Aquele que dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra". Uma bobagem, você deve achar.
É evidente que só uma saída resolverá a barbárie dos presídios: privatização. Coxinha! Reaça! Direitão! Tudo bem, já nem sei mais o que é esquerda e direita. O que sei é que na Penitenciária Jucemar Cesconetto, em Joinville, uma das poucas gerenciadas pela iniciativa privada no Brasil, onde os detentos estudam e trabalham - e só trabalhando é possível encontrar uma alternativa para a vida; e só dormindo com decência é possível trabalhar no dia seguinte -, apenas 23% retornam ao crime após deixar a prisão. A média nacional supera os 70%.
Quer dizer, presos tratados como gente, e não como lixo, resultam numa sociedade menos violenta fora das cadeias. Porque nenhuma sociedade avança aplaudindo o sofrimento de uma mãe e de um bebê recém-nascido.
*O colunista Paulo Sant'Ana, titular desta seção, encontra-se em tratamento de saúde.