Para possibilitar ao governo federal o cumprimento do dispositivo constitucional de gastos mínimos com a saúde, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, liberou na última terça-feira parte das chamadas emendas de comissão, pelas quais os parlamentares do Congresso destinam recursos do orçamento da União para suas bases eleitorais. Embora tenha aberto uma exceção no bloqueio que ele mesmo determinou sobre tais emendas parlamentares, o magistrado exigiu que a Câmara dos Deputados e o Senado informem até 31 de março quem são os deputados e senadores que as indicaram, sob pena de anulação imediata e automática.
A falta de transparência é sempre uma porta aberta para a fraude e para a corrupção
Ainda que a firme disposição do ministro do STF de regrar o que ele chama de “balbúrdia orçamentária” possa ser interpretada como interferência demasiada do Judiciário nas atribuições do Legislativo, não há dúvidas de que o atual processo de compartilhamento de verbas para investimentos precisa ser corrigido. É um recurso que os governos vêm utilizando há bastante tempo com o propósito de garantir apoio parlamentar, mas que acabou sendo deformado pela falta de planejamento e de controle. Uma das deformações evidentes é o anonimato dos parlamentares que indicam onde e como tais investimentos devem ser feitos.
A falta de transparência é sempre uma porta aberta para a fraude e para a corrupção. Por isso, age corretamente o ministro Flávio Dino ao exigir que as comissões da Câmara e do Senado revelem os nomes dos legisladores que indicam como os referidos recursos devem ser aplicados. Ainda assim, a transparência não resolve a maior injustiça do sistema, que contempla currais eleitorais dos parlamentares no exercício de seus mandatos e deixa sem recursos as comunidades que não possuem seus próprios representantes no parlamento. Ora, são verbas públicas, oriundas dos impostos de todos os brasileiros. Não é justo que sejam destinadas unicamente aos apadrinhados de determinados políticos.
Ainda que seja legítimo e desejável que o Congresso fiscalize o uso de recursos públicos por parte do Executivo — e que, inclusive, participe das decisões sobre a repartição de verbas orçamentárias —, o sistema das emendas parlamentares transformou-se em constante barganha política, pela qual grupos políticos chantageiam o governo e acabam utilizando o dinheiro do orçamento para agradar um eleitorado fixo que os manterá no poder. Há, portanto, muito a corrigir além da transparência exigida pelo ministro da Corte Superior.
O ideal é que o próprio Congresso tome a iniciativa de revisar o atual sistema, não apenas para evitar a interferência do Judiciário — que já ameaça gerar novo conflito entre os poderes —, mas também, e principalmente, para atenuar a indignação dos cidadãos que a cada dia se mostram mais contrariados com o que o ministro Dino classificou como falta de eficiência, transparência e rastreabilidade da operação. Todos os poderes sairão fortalecidos se o tema for colocado como pauta de 2025 pelos novos presidentes das duas Casas legislativas.