* Cineasta
Gregory, o livreiro da Forest Books (#1748 da Buchana St.) é uma figura tão rara como a edição de bolso de Moby Dick que chamou minha atenção na vitrine de sua livraria. Perdida entre as lojas de quimonos e sushi-bares no coração do bairro japonês, a Forest vende livros preciosos graças à curadoria do dono, que também assina o playlist:
"If you going to San Francisco
be sure to wear some flowers in your hair
if you going to San Francisco
you're gonna meet some gentle people there"
Quando chegou a São Francisco, Gregory veio na companhia de outros cem mil sonhadores, ativistas e aventureiros. Embalados por ideais comuns, eles viveram em North Beach o fenomenal The Summer of Love, o auge da revolução hippie.
Era um grupo eclético. Muitos desprezavam qualquer forma de governo, outros se interessavam por política e se opunham à Guerra do Vietnã, mas a grande maioria curtia arte, religião, práticas de meditação, alimentação natural/orgânica e claro, experiências lisérgicas. Inspirados por seus antecessores (the Beat Generation), os hippies eram unânimes na aversão ao materialismo e apostavam no compartilhamento e na vida em comunidade. "Turn on, tune in, drop out", a célebre frase de Timothy Leary, o mago lisérgico da revolução, resume os principais ideais do movimento Flower-Power e foi referência para toda a contracultura hippie, cujas ideias também defendiam a descentralização política.
Greg, que na época largou os estudos e se mandou para o West Coast, conta que "dropping out" virou gíria entre a moçada que fugiu da escola pra viver o verão de sexo, drogas e rock'n'roll em Haight-Ashbury.
Mas, como em uma trip de LSD, em um flash, 50 anos se passaram e o senhor por trás do caixa pouco lembra o cabeludo da foto já sem cor na parede. Em 2017 The Summer of Love virou exposição de museu (The Summer of Love Experience, de Young Museum – até agosto) e uma série de eventos comemorativos patrocinados por grandes e poderosas corporações.
Provoco um pouco e pergunto ao meu novo amigo quantos de seus ex-companheiros revolucionários não estarão sentados hoje no board de diretoria dessas grandes empresas. Greg fecha a cara, mas insisto, onde foi parar a resistência? Onde estão os incorruptíveis? Então ele deixa escapar um sorriso e afirma: "A revolução continua, só que agora silenciosa!".
A verdade é que The Summer of Love influenciou muito e mudou para sempre a cultura popular, e mesmo que estejamos hoje vivendo a era Trump, antítese de 67, e o verão seja batizado pela imprensa de "The Hatred Summer"… quero acreditar que se trata mesmo da falência do sistema como um todo e que – se o planeta não fritar antes – teremos uma nova oportunidade de "dropping out" e repensar tudo.
Quanto aos incorruptíveis e sua revolução silenciosa, desconfio que estavam secretamente reunidos no Monterey Pop Festival, disfarçados de distintos senhores e senhoras de cabelo branco. Mas não vi Greg.
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