Um contexto curioso se dá na Nicarágua. O presidente Daniel Ortega começa hoje seu quarto mandato (sim, o quarto mandato!) tendo a própria mulher, a poderosa poetisa Rosario Murillo, como sua vice - oficialmente, ela agora partilha um poder que, de fato, já partilhava. Claro, já há algumas informações curiosas no que foi escrito até aqui. Não é, porém, o que mais desperta a curiosidade deste colunista. E o que é, então? É que Ortega, em termos políticos, tem o controle do parlamento, mas, em termos econômicos, põe os olhos em outro país: o caos venezuelano prejudica intensamente o futuro nicaraguense, e a posse de Donald Trump nos Estados Unidos deixa Manágua ressabiada.
Mais: são fantasmas a rondar a dinastia Ortega-Murillo!
O único precedente latino-americano de presidente que assume tendo a própria mulher como vice é o de Juan Domingo e Isabelita Perón.
Deu no que deu, lá nos longínquos anos 1970...
Ortega está com 71 anos. Teve 72,5% dos votos nas eleições de novembro. Tem maioria parlamentar de 71 das 92 cadeiras no parlamento unicameral. Todas da sua Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). Aparentemente, tanquilito!
O problema é a situação econômica do país.
Há uma importante redução da cooperação venezuelana. Entre 2007 e 2016, a cooperação venezuelana somou US$ 4,8 bilhões de dólares, em virtude de um acordo de fornecimento de petróleo em condições vantajosas para Manágua. Os fundos da generosa cooperação de Caracas permitiram a Ortega impulsionar programas sociais que reduziram a pobreza de 45 a 29% da população, conforme cifras oficiais confirmadas pelo Banco Mundial. No entanto, depois da queda dos preços do petróleo, o fluxo dessa ajuda decaiu em mais de 50%.
E, bem, aí entra outro elemento: o "efeito Donald Trump", que sobressalta a todos. A posse do polêmico americano tende a piorar a situação econômica da Nicarágua, considerando as que as medidas protecionistas já anunciadas.
A situação da indústria automotiva mexicana, como efeito das políticas protecionistas de Trump, também preocupa. Na Nicarágua, operam empresas estrangeiras sob o regime de zona franca, que fornecem peças às montadoras sediadas no México, algumas das quais já anunciaram a saída deste país.
Ou seja, eleito com folga, maioria consistente, mas futuro pra lá de incerto.