Que história maluca, mas certamente tem muito a ver com o clima de distensão por que passa a Colômbia. De qualquer forma, pegou mal. A missão da ONU na Colômbia deplorou que alguns de seus membros tenham dançado com guerrilheiros das Farc, como revela vídeo gravado em zona de pré-reagrupamento de rebeldes que entregarão as armas com base no acordo de paz.
"Este comportamento é impróprio e não reflete os valores do profissionalismo e imparcialidade da Missão", informou um oficial, acrescentando que "serão adotadas as medidas correspondentes".
Vídeo mostra integrantes da missão da ONU dançando com guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) durante as comemorações de final de ano em zona de pré-agrupamento no departamento de la Guajira.
Os integrantes da missão estão encarregados de monitorar o cumprimento do cessar-fogo bilateral, vigente desde agosto e acertado no acordo de paz para acabar com meio século de conflito armado. Os membros da ONU integram a missão tripartite também formada por delegados do governo e das Farc.
Traumas da guerra
Enquanto isso, os traumas de uma guerra brutal não podem ser negligenciados. Vítimas ou atores do conflito armado, milhões de colombianos viveram os horrores da guerra e sofrem os estigmas de décadas de violência, cuja cicatrização é um dos desafios a superar no caminho para a paz.
São corriqueiros os relatos de combates entre militares e guerrilheiros das Farc testemunhados por crianças. Algumas delas se dizem hoje adultos "aflitos" por terem se acostumado, desde a infância, a viver com medo.
Ratificado no fim de novembro, o acordo de paz é a luz no fim do túnel de uma guerra da qual também participaram outras guerrilhas, grupos paramilitares e agentes do Estado, deixando pelo menos 260 mil mortos, 60 mil desaparecidos e quase 7 milhões de deslocados. Algumas linhas do acordo, de mais de 300 páginas, são dedicadas a "medidas de recuperação emocional". Com a intenção de "contribuir para aliviar o sofrimento das vítimas", o governo se compromete a "melhorar a qualidade da atenção psicossocial" e reforçar os serviços de saúde mental, aponta o documento, sem detalhes. Preocupa o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) que esses traumas possam gerar violência em tempos de paz. Em outubro, o organismo pediu que não se esqueça que a saúde mental é "o eterno trauma do conflito que a Colômbia não pode ignorar", destacando que as vítimas "também trazem as cicatrizes da violência na cabeça".
Atendimentos psicológicos
Tratamentos psicológicos têm sido ministrados a vítimas do conflito. É alto o percentual dos que ficam com algum nível de trauma.
Ivonne Zabala, da ONG Médicos sem Fronteiras (MSF), assegura que muitos "viveram mais de um evento e têm mais de um fator de risco": por exemplo, "uma pessoa que teve um familiar assassinado, mas que também teve de se deslocar e chegar a um local com situação de violência em seu entorno", como certas comunidades de grandes cidades. Isso, diz ela, "leva a uma deterioração significativa da saúde mental", provocando problemas crônicos mais comuns: depressão, ansiedade, problemas de adaptação, estresse pós-traumático.
De acordo com estudo da Organização Internacional para as Migrações (OIM), 80% das vítimas do conflito "não esquecem, mas conseguem viver com seu sofrimento". Além disso, "20% têm um trauma profundo em sua vida".
Além das múltiplas causas de sofrimento, a duração do conflito, o mais antigo da América, faz que várias gerações de colombianos estejam afetadas direta, ou indiretamente. E essa violência endêmica, com esses traumas, repercute em casais e famílias. Publicada em dezembro, a última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (ENDS) mostra que uma em cada três mulheres apanhou de seu companheiro (ou marido) atual, ou do anterior. Especialista colombiana em Saúde Pública, Mary Luz Dussan, que trabalha na Nicarágua, considera que "falta à Colômbia pensar no bem-estar do povo", mas que isso "ainda pode ser feito! É preciso pensar na reconstrução da pessoa destruída nesta guerra".