Ainda de ressaca com o resultado das eleições americanas, aliás como se espera de uma estagiária californiana, tento entender minha nova rotina e absorver as notícias que chegam do Brasil, tão inacreditáveis como Donald Trump na Casa Branca.
Sinto que, nos últimos anos, o Brasil ficou monotemático e que a distância agora me desperta dessa letargia. Como o período é de mudança e mudanças inspiram reflexões, me ponho a pensar em ciclos e em predestinação.
No final dos anos 40, um grupo de visionários de Hollywood criou no deserto de Mojave um conceito inovador – "A cidade cenográfica viva". Os exteriores de Pioneertown (https://vimeo.com/116551630 - documentário The Pioneer Town Palace) reproduziam uma pequena cidade do velho oeste e serviram de cenário para mais de 50 longas-metragens e séries de TV, ao mesmo tempo que, por detrás de suas fachadas, bares, sorveterias e pistas de boliche eram atrações abertas ao público. Durante quase duas décadas, em seus estábulos, saloons e ruas empoeiradas viveram centenas de personagens, alguns tão famosos como Roy Rogers.
Mas, como nos clássicos filmes de bangue-bangue, Pioneertown virou uma cidade fantasma e teria desaparecido do mapa se Harriet e Claude Allen, não entrassem na trama, transformando sua velha e decadente Cantina no legendário Pappy & Harriet's.
O P&H rapidamente ganhou fama e atraiu visitantes que atravessaram o país e o deserto em busca de churrasco, cerveja gelada, música folk e claro, dos tremendos arrasta-pés na pista do antigo saloon. Um cenário único que, para orgulho do casal, reunia debaixo do mesmo teto todo tipo de gente, sem nunca perder o "ambiente familiar". Mas como nunca é muito tempo, Pappy bateu as botas e, com ele, Pioneertown mais uma vez, silenciou.
Fim de um ciclo, início de outro.
Robyn Celia e Linda Krantz, um casal pouco tradicional de new yorkers adoravam o P&H e sonhavam trazer de volta ao deserto os bons tempos. Em 2003 compraram o clube e, desde então, transformaram o lugar em numa espécie de templo do indie rock. Mas a sorte só mudaria mesmo 13 anos depois, quando o Coachella Music Festival chamaria a atenção do mundo para a Califórnia e atrairia ao deserto ninguém menos do que Paul McCartney.
"Essa é a maior gig que já fizemos", disse Paul quando subiu ao minúsculo palco de Pappy & Harriets.
Muito ao contrário, foi possivelmente uma das menores desde que os Beatles tocavam no porão de Liverpool, onde reescreveram tudo o que sabíamos sobre rock'nroll, ou com certeza, a mais improvável e inacreditável noite de musica ao vivo que alguém pode sonhar.
O extasiado público de pouco menos de 300 rabudos ouviu algumas das melhores canções de rock já escritas.
No final, não faltou nem Hey Jude, quando já não restavam nem olhos secos, nem copos sobre as mesas.
Se em uma quinta-feira qualquer, em pleno deserto do Mojave, os Na-na-na-nas de McCartney podem soar cristalinos nas ruas empoeiradas da predestinada Pioneertown, então, meus queridos, tudo é possível.
Sobreviveremos.
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