Enquanto fecho as malas para deixar o Brasil e fazer de L.A. meu principal endereço, amigos e mesmo estranhos fazem a mesma pergunta repetidamente: "Você não tem medo do "Big One"?
"The Big One" é o nome do apocalíptico terremoto de magnitude 8, previsto para acontecer ao longo da falha de Santo André e que supostamente irá despejar cidades como San Diego, São Francisco e, claro, Los Angeles, minha nova base, nas profundezas do Oceano Pacífico.
O grande terremoto irá redesenhar a geografia da Costa Oeste dos Estados Unidos e borrar da face da terra não só qualquer traço de civilização mas ainda pior: o fabuloso estilo californiano de viver.
Admito que não foram poucas as vezes que acordei no meio da noite com a casa tremendo e alarmes de carros disparados numa sinfonia vinda da rua. Nas primeiras vezes, eu saltava em busca de abrigo, debaixo de uma mesa ou do marco da porta, mas com o tempo vc vai se acostumando e, logo, só senta na cama esperando pra ver se é mesmo preciso correr. Depois de alguns episódios, simplesmente vira pro lado e dorme.
Arriscado? Talvez.
Mas viver em São Paulo, Rio de Janeiro ou mesmo Porto Alegre (o que estou dizendo?... principalmente Porto Alegre!) também oferece um pacote de riscos. E não são poucos. Pode-se perder a vida a qualquer momento, em qualquer esquina, pelo simples fato de estar na hora errada, no lugar errado. Sem falar em outros desastres de proporções variadas – o caos do trânsito, a bancada evangélica, o fim do Estado laico, fanáticos e neonazistas de plantão, e pessoas inteligentes fazendo coraçãozinho com as mãos em intermináveis selfies.
Vivemos o caos, mas também é verdade que nos acostumamos a qualquer coisa. Até ao fato de que uma figura como Donald Trump pode se tornar o líder da maior potência da terra ou de que Luiz Inácio Lula da Silva volte a subir a rampa do Palácio do Planalto. Sem mencionar o fato de que tenho bons amigos que votarão em ambos.
Será o fim do mundo?
"O Apocalipse permanece como uma de nossas mais atávicas fantasias. Não é simplesmente o impulso de avançar no livro e espiar a última página para saber o final da história. É um desejo de antever o caos, a revelação do que já sabemos mas não podemos ver: nada é garantido, nada na vida é banal e a civilização é só um acordo que pode ser revogado a qualquer momento."*
Por trás de nossas leis e fronteiras, estamos todos juntos em um imenso planeta a céu aberto, onde tudo pode acontecer e não temos outra escolha a não ser sobreviver, construir abrigos e encontrar uns aos outros na tempestade.
E, enquanto me preparo para viver em perigo sobre a falha de Santo André, lembro de T.S. Eliot que, não por acaso, em 1925 já profetizava qual seria o destino da Humanidade:
"É assim que o mundo vai acabar,
Não com um estrondo, mas com um gemido".
*Jonh Koenig, The Dictionary of Obscure Sorrows
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