A paz é essencial, gente. E há algumas questões totalmente básicas sobre as quais se necessita falar repetidamente. Uma delas: melhor a paz imperfeita do que a guerra permanente. Outra: só se negocia com o inimigo.
Sendo assim, este colunista nunca escreveu com todas as letras, mas sempre deixou claro: torce pelo processo de paz na Colômbia e vê nele a possibilidade de uma rara notícia boa neste castigado território latino-americano.
Mais: acredita que ele servirá de modelo para outras regiões do mundo.
Nos últimos dias, com problemas de saúde, o colunista ficou "fora de combate". Mas esteve presente nas redes sociais, mesmo que de forma comedida. E leu comentários do tipo "bala nas Farc" ou "90% dos meus amigos colombianos não queriam a aprovação desse processo de paz". Opa! Bala nas Farc (ou em qualquer outra pessoa ou organização)? Até quando? Para quê? "90% dos amigos" tem explicação no algorítmo do Facebook. Afinidades...
A verdade é que a derrota da paz no referendo colombiano só ocorreu porque o voto é facultativo, e a oposição tratou de se mobilizar. Os favoráveis ao "sim" passaram um domingo tranquilo, pensando que a vitória seria automática.
Claro que não era bem assim.
As pesquisas mostravam vitória da paz com entre 55% e 65% dos eleitores. Só que elas se aplicavam ao conjunto do eleitorado. Com o voto facultativo, o risco era grande. E os defensores do "sim" tiveram alguma inadvertida soberba.
Negociações com segunda guerrilha avançarão
Agora, as coisas andam na Colômbia. O governo e a guerrilha do Exército da Libertação Nacional (ELN) marcaram para esta mesma segunda-feira um importante anúncio em Caracas, que deve se referir à decisão de instituir a mesa pública de negociações de paz anunciada há mais de seis meses. A chancelaria da Venezuela convocou a imprensa para "um anúncio importante sobre o processo de paz na Colômbia". Por sua vez, em Bogotá, a presidência confirmou que "as delegações do governo da Colômbia e do ELN farão um anúncio na Casa Amarela na cidade de Caracas", na noite desta segunda-feira.
O arcebispo da cidade colombiana de Cali, monsenhor Darío Monsalve, ligado à negociação com o ELN, adiantou que "nesta semana a Colômbia vai ter uma notícia definitiva" sobre o diálogo com a guerrilha. Monsalve afirmou que o processo com o ELN contemplará um pré-acordo humanitário.
Na semana passada, o ELN libertou um refém civil, que foi entregue ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) em uma zona rural do departamento de Arauca, na fronteira com a Venezuela. Foi a segunda libertação em uma semana de um refém civil pelo ELN. A anterior, também em Arauca, ocorreu em 29 de setembro, quando rebeldes entregaram o arrozeiro Diego José Ulloque ao CICV.
O ELN e o governo de Juan Manuel Santos anunciaram em março um acordo para iniciar diálogos formais de paz. O processo só não se instalou porque a guerrilha continua sequestrando pessoas - e o governo exige o fim dessa prática. Desconhece-se o número exato de reféns em poder desse grupo, que tomou armas em 1964 por influência da revolução cubana. O governo calcula em 1.500 o número de combatentes dessa organização armada.
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A recente libertação do civil ocorre quatro dias depois de os colombianos rejeitarem em referendo um acordo de paz pactuado pelo governo com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a principal e mais antiga guerrilha do país, para superar um conflito interno de mais de meio século.
A Colômbia vive um conflito armado de mais de 50 anos e que envolve guerrilhas, paramilitares e agentes da força pública, com um balanço de 260 mil mortos, 45 mil desaparecidos e 6,9 milhões de deslocados.
Nobel da paz, um estímulo
Cercado de vítimas do conflito armado na Colômbia e após uma cerimônia religiosa carregada de pedidos de paz, Juan Manuel Santos anunciou que doará o dinheiro do prêmio Nobel para a reparação dos afetados no conflito interno.
Da cidade de Bojayá (noroeste), onde em 2002 morreram 79 pessoas refugiadas em uma igreja durante enfrentamentos entre a guerrilha das Farc e grupos paramilitares, Santos disse que doará o prêmio em dinheiro que receberá pelo Nobel com o qual foi agraciado esta semana por seus esforços para pacificar o país submetido a mais de meio século de conflito armado.
São quase R$ 3 milhões.
Acompanhado por sua esposa, seus filhos e vários membros de seu governo, todos vestidos de branco, assim como a maioria dos moradores, Santos assegurou que destinará a quantia do prêmio "a obras, fundações ou programas que tenham a ver com as vítimas e com a reconciliação".
- Vamos perseverar, vamos persistir, persistir, persistir e persistir até que consigamos implementar o acordo assinado com as Farc. Se tiver que fazer ajustes ao que já acordamos, então faremos ajustes - acrescentou. - Tenham certeza de que vamos implementar estes acordos.
O governo Santos e as Farc assinaram em 26 de setembro passado, em Cartagena, um acordo de paz após quase quatro anos de negociações formais em Cuba (seis anos de negociações no total). O pacto, porém, foi rejeitado pelos colombianos por 50,2% dos votos em um plebiscito celebrado há uma semana, com voto facultativo e a presença de um terço dos eleitores.
As partes reiteraram desde então sua vontade de paz e sua disposição a revisar o acordado. Anunciaram, inclusive, que manterão o cessar-fogo bilateral decretado em 29 de agosto no âmbito do pacto de paz.
Oposição fará exigências para aperfeiçoar acordo
A questão é a seguinte: a oposição, com a vitória no referendo, entrou no circuito. A paz é dada como irreversível. Mas exigências começam a chegar para que o acordo seja menos generoso com a guerrilha. O ex-presidente da Colômbia Álvaro Uribe insiste que membros das Farc responsáveis por "delitos atrozes" devem pagar penas de "reclusão" de entre cinco e oito anos.
Ao publicar propostas sobre o acordo de paz, Uribe disse que "a impunidade total aos maiores responsáveis por delitos atrozes" se transformará em "um mal exemplo" e gerador de "novas violências". Por isso, em um documento publicado no Twitter e entitulado "Votamos Não, seguimos pela paz. Urgência e Paciência", o ex-presidente e atual senador diz que os guerrilheiros devem responder por seus crimes com "reclusão efetiva, pena privativa de liberdade, entre 5 e 8 anos, mesmo que seja em locais alternativos, granjas agrícolas".
Especialista diz que Nobel fortalece a paz
Por outro lado, o processo de paz na Colômbia está em "uma situação difícil" após o referendo que rejeitou o pacto com a guerrilha das Farc, mas "se fortalece" com o Nobel da Paz concedido a Juan Manuel Santos, opinou Mariano Aguirre, diretor do Centro Norueguês para a Resolução de Conflitos.
- O Nobel é um reconhecimento ético, moral e político, e encoraja os mais céticos a buscar um acordo e seguir adiante - reflete ele.
E o processo tem volta?
- A Colômbia já está implementando a paz em dezenas de iniciativas da sociedade civil e com instrumentos do Estado em restituição de terras, reparação às vítimas. Nisso ninguém pode voltar atrás. O presidente Santos e as Farc estão atentos, e o ex-presidente Uribe não tem outra saída a não ser observar também, a menos que queira carregar a responsabilidade de ter fraturado uma sociedade que já havia começado a fazer a paz.