Eis aqui um tema que deve preocupar o mundo inteiro e a América Latina e o Brasil com seus bolivianos trabalhando quase como escravos em fabriquetas paulistanas. Em todo o planeta, quase 50 milhões de crianças e adolescentes vivem fora de seu país de origem ou foram obrigados a fugir de suas casas por conta da violência. Muitas delas são latino-americanas.
Não há um fatiamento por países no relatório, mas muitas crianças saem da Colômbia e da Venezuela, por exemplo. Ou seja, não se limitam às óbvias nações do Oriente Médio afundadas na guerra e na barbárie.
Do total, 28 milhões de crianças tiveram de deixar suas cidades por conta de conflitos ou outras situações de violência e buscar um lugar mais seguro, seja em seu país de origem ou em terras estrangeiras.
Frequentemente traumatizados por conta da violência, essas crianças e esses adolescentes têm de enfrentar outros perigos ao longo do caminho, incluindo o de afogamento nas travessias marítimas, desnutrição e desidratação. Além disso, correm o risco de ser vítimas de tráfico, sequestro, violência sexual e até assassinato. Nos países em que passam e naqueles em que fixam residência, eles, frequentemente, são vítimas de xenofobia e discriminação. São situações que ocorrem bem aqui debaixo dos nossos narizes.
Relatório divulgado hoje pelo Unicef, de nome Uprooted: The growing crisis for refugee and migrant children (Desenraizadas: Uma crise crescente para as crianças refugiadas e migrantes), apresenta novos dados que descrevem um panorama preocupante sobre a vida e a situação de milhões de crianças, adolescentes e famílias afetados por conflitos violentos e outras crises, que os obrigam a arriscar a vida fugindo em vez de permanecer em suas cidades natais. É um drama que afeta o mundo inteiro, em diferentes contextos.
"As imagens chocantes de algumas crianças, tais como a do pequeno Aylan Kurdi, que apareceu em uma praia depois de se afogar no mar, ou a do rosto atônito e ensanguentado de Omran Daqneesh, sentado em uma ambulância depois de sua casa ser destruída, têm chocado o mundo", disse o diretor executivo do Unicef, Anthony Lake. "Mas cada imagem, cada menina ou menino, representa muitos milhões mais que estão em perigo – e isso requer que a nossa comoção com esses casos específicos seja traduzida em ação para todas as crianças".
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O relatório Uprooted mostra que:
* As crianças e os adolescentes representam uma porcentagem desproporcional e crescente de todas as pessoas que procuraram refúgio fora dos seus locais de nascimento: apesar de representarem cerca de um terço da população mundial, eles são aproximadamente metade de todos os refugiados. Em 2015, cerca de 45% de todas as crianças e adolescentes refugiados sob proteção do ACNUR vieram da Síria e do Afeganistão.
* 28 milhões de crianças e adolescentes foram expulsos de casa pela violência e pelo conflito dentro de seus países e através das fronteiras, incluindo 10 milhões de crianças e adolescentes refugiados; um milhão que solicitaram asilo, mas cujo status de refugiado ainda não foi determinado; e estimados 17 milhões de meninos e meninas deslocados dentro de seus próprios países – todos com uma necessidade extrema de ajuda humanitária e acesso a serviços essenciais.
* Mais e mais crianças e adolescentes estão cruzando as fronteiras sozinhos. Em 2015, mais de 100 mil crianças e adolescentes não acompanhados pediram asilo em 78 países, o triplo de 2014. As crianças e os adolescentes desacompanhados estão mais expostos à exploração e ao abuso por contrabandistas e traficantes.
* Em todo o mundo, cerca de 20 milhões de crianças e adolescentes migrantes deixaram suas casas por várias razões, incluindo a extrema pobreza ou a violência nas ruas. Muitos correm um risco real de abuso ou detenção porque não têm documentos, porque o seu status legal é incerto e, portanto, não há acompanhamento ou monitoramento sistemático de seu bem-estar. São as crianças e os adolescentes esquecidos pelo sistema.
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De acordo com o relatório do Unicef, a Turquia acolhe o maior número total de refugiados recentes, e muito provavelmente o maior número de crianças refugiadas no mundo. Em relação a sua população, o Líbano acolhe o maior número de refugiados por uma margem esmagadora: cerca de uma em cada cinco pessoas no Líbano é refugiada. Em comparação, há cerca de um refugiado para cada 530 pessoas no Reino Unido; e um para cada 1.200 nos EUA.
Ao considerar os países que acolhem refugiados por nível de renda, porém, a República Democrática do Congo, a Etiópia e o Paquistão recebem a maior concentração. O relatório argumenta que, onde há rotas seguras e legais, a migração pode proporcionar oportunidades tanto para as crianças e os adolescentes que migram quanto para as comunidades a que eles se juntam.
Uma análise do impacto da migração nos países de renda alta descobriu que os migrantes contribuíram mais com impostos e contribuições sociais do que receberam, que ocuparam vagas no mercado de trabalho tanto em postos altos quanto baixos, e contribuíram para o crescimento econômico e a inovação nos países de acolhimento. Mas uma questão fundamental é que as crianças e os adolescentes forçados a deixar suas casas têm acesso limitado a serviços como educação – um importante fator para crianças, adolescentes e famílias que optam por migrar. Uma criança refugiada tem cinco vezes mais probabilidade de não frequentar a escola que uma criança não refugiada. Quando podem ir à escola, crianças e adolescentes migrantes e refugiados são frequentemente vítimas de discriminação, incluindo tratamento injusto e bullying.
Fora de aula, obstáculos legais impedem crianças refugiadas e migrantes de receber serviços iguais aos das crianças e adolescentes nativos. No pior dos casos, a xenofobia pode se transformar em ataques diretos. Só na Alemanha, as autoridades registraram 850 ataques contra abrigos de refugiados em 2015.
"Qual é o preço que todos nós pagaremos se não formos capazes de fornecer a essa população jovem oportunidades de receber educação e desfrutar de uma infância normal? Como esses meninos e meninas serão capazes de contribuir positivamente para suas sociedades? Se nada for feito, não só o seu futuro será arruinado, mas toda a sociedade será diminuída também", diz Lake.
O relatório identifica seis ações específicas para proteger e ajudar as crianças e os adolescentes deslocados, refugiados e migrantes:
* Proteger crianças e adolescentes refugiados e migrantes, especialmente meninas e meninos desacompanhados, da exploração e da violência.
* Acabar com a detenção de crianças e adolescentes que buscam o status de refugiados ou migrantes, por meio da adoção de medidas alternativas.
* Manter as famílias unidas como a melhor forma de proteger as crianças e os adolescentes e garantir a eles status legal.
* Garantir o acesso à educação a todas as crianças e adolescentes refugiados e migrantes e dar-lhes acesso a serviços de saúde e outros serviços de qualidade.
* Insistir na necessidade de abordar as causas subjacentes dos movimentos em grande escala de refugiados e migrantes.
* Promover medidas para combater a xenofobia, a discriminação e a marginalização.