Ano 2017.
Aeroporto Internacional, Pittsburgh, EUA.
Digito um código em meu smartphone. Em minutos, um Tesla preto, com uma dezena de câmeras digitais no teto, estaciona ao meu lado. Abro a porta traseira e entro. O ar-condicionado está ligado em 21°C como pedi e o Spotify em sinc com o sistema de som do carro, segue tocando exatamente o que eu já vinha ouvindo desde o gate.
O assento do motorista está vazio. Coloco o cinto de segurança e o Tesla se movimenta, ingressando no tráfico pesado da freeway. O velocímetro digital no painel marca exatamente a velocidade-limite indicada nos sinais ao longo do caminho e outros carros ao meu redor, deslizam todos na mesma velocidade. Teslas, Volvos e Mercedes híbridos equipados com câmeras no teto, na frente e na traseira, se movimentam sincronizados com indicações de trânsito em tempo real que se atualizam de acordo com as anormalidades do trajeto à frente.
São os carros-robôs, equipados com o sistema Autopilot, que reúne GPS, 12 câmeras, lasers de aproximação, radares e 20 softwares de última geração.
Uma parafernália que está substituindo os motoristas das frotas da Uber ao redor do mundo, melhorando preço e qualidade do serviço, sem falar na segurança.
Ano 2020.
Aeroporto 20 de Setembro, Porto Alegre, BR.
Após longa ausência do país, desembarco no novo aeroporto da capital rio-grandense. Pego a mala e sigo as indicações para a saída, mas não vejo a fila de passageiros esperando táxi. E nem táxis! Então meu iPhone vibra. É um aviso programado de que existem três carros da Uber nas proximidades. Digito "Prosseguir" e outra tela quer saber se aceito ser conduzida por um carro Autopilot. Ou seja: sem motorista? Digito sim e meu destino.
Enquanto espero, entram no iPhone o valor da tarifa, o tempo previsto para a corrida, a placa, marca e modelo do carro que está a caminho. E duas perguntas: qual a temperatura e o que desejo ouvir no carro.
Comento com meus botões quando o Uber-Robô encosta a exatos 10 centímetros de minha mala: "Parece que Porto Alegre entrou pra valer na era post-digital".
Entro no carro, o ar está ligado e a milonga de Vitor Ramil, no volume correto. Mas não existe motorista no banco da frente para responder meu animado "Bom dia!".
Em lugar disso, o sistema informa que haverá atraso, motivado por uma passeata de ex-motoristas. Estão protestando contra a concorrência dos carros-robôs, vão prosseguir até a prefeitura e ao Palácio Piratini. E, segundo a ZH Digital na tela do carro, a manifestação será engrossada pelos fiscais da CET e do Detran, preocupados com as notícias de que as autarquias serão extintas, pois tanto licenciamentos quanto multas passarão a ser processados digitalmente no próximo ano. E no modo remoto, a distância, por uma empresa em Pittsburgh!
Me pergunto qual haverá sido o destino da milionária indústria de multas inventada pelo PT paulistano e quando o sinal de internet cai derrubando a comunicação, uma sensação dúbia me invade, sinto-me em casa, estamos no Rio Grande e algumas coisas jamais mudam.
Estou presa no trânsito na entrada da cidade, o viaduto da Ceará ainda não ficou pronto e não posso resmungar com o motorista ou pedir pra ligar na Gaúcha e saber como anda a gloriosa dupla Gre-Nal.
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