O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, disse que a ratificação da condenação contra o opositor venezuelano Leopoldo López foi o "marco" do final da democracia e do Estado de Direito nesse país. Enfim, foi taxativo: a Venezuela deixou de ser uma democracia.
"Nenhum foro regional ou sub-regional pode desconhecer a realidade de que, hoje, na Venezuela, não há democracia nem Estado de Direito", escreveu Almagro em uma carta aberta a López, a quem chamou de "amigo".
Que importante isso, hein? Veja bem: Almagro está longe de ser um "agente do imperialismo americano" como gosta de bravatear o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Ele era o chanceler de José Pepe Mujica quando este presidia o Uruguai. E não só isso. No Brasil, Almagro foi e é solidário com a presidente afastada Dilma Rousseff. Rejeita Michel Temer como presidente.
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Dirigindo-se a López, Almagro afirmou: "Vou ser sincero: a princípio, após sua prisão, não sabia se era um preso político. O governo (em Caracas) havia convertido a mentira em verdade continental; mas, quando vi a sentença, assimilei palavra por palavra a dimensão do horror político que vive este país".
Na carta de oito páginas, Almagro enfatiza o clima de "intimidação" contra opositores na Venezuela e a corrupção de altos funcionários, e defende a realização do referendo revogatório do mandato de Maduro.
"Em nenhuma circunstância se deve utilizar o poder (...) para impedir que o povo soberano se expresse".
Para o ex-chanceler uruguaio, os venezuelanos são "vítimas da intimidação", que se tornou em um "signo político governamental tangível" em meio "à gestão ineficaz do governo". O governo venezuelano "procura manter o poder negando ao povo a possibilidade de decidir mediante o voto e recorrendo à violência contra os que se manifestam ou têm opiniões diferentes".
"Foi ultrapassado um umbral, que significa o fim da democracia", disse ele.
Em 12 de agosto, a Justiça venezuelana rejeitou a apelação da defesa e confirmou a condenação imposta em setembro de 2015 a López, por incitar à violência durante a onda de protestos contra Maduro em 2014, que deixou 43 mortos. Curiosidade que sempre deve ser lembrada: a grande maioria dos mortos era de opositores, vítimas do enfrentamento com a polícia - do governo.
No final de junho, o secretário-geral denunciou a situação na Venezuela em um demolidor relatório ao Conselho Permanente da OEA, ativando a Carta Democrática Interamericana. Esse documento faculta os países da região a analisar mecanismos para aliviar o confronto político na Venezuela e em última instância contempla a suspensão do país da organização.
A última de Maduro: demitiu quem é a favor do referendo!
Maduro só dá motivos para a OEA se sentir com razão: determinou a exoneração, no prazo de 48 horas, de todos os funcionários públicos em cargos de direção que firmaram o pedido de referendo para revogar seu mandato.
O tal referendo é uma ferramenta constitucional e legítima pela qual a população é chamada a uma consulta para dizer se quer a permanência do presidente. São seis anos de mandato. Maduro fez três anos no poder em abril.
O dirigente governista Jorge Rodríguez disse que serão entregues listas com "os nomes das pessoas (...) que de forma pública expressaram sua simpatia com a direita venezuelana e participaram do processo de autorização para a ativação do finado referendo revogatório". Um índex!
"Há um prazo de 48 horas para que essas pessoas que estão nos chamados cargos de confiança, cargos de direção, tenham outro destino de trabalho", declarou Rodríguez.
O dirigente se referia às cerca de 200 mil firmas (1% dos eleitores) que o conselho eleitoral validou no início de agosto para que a opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) solicitasse o referendo.
A medida busca "estabelecer de forma categórica que não podem permanecer em cargos de direção (...) nos ministérios, instituições públicas, governos e prefeituras pessoas que são contrárias à revolução e ao presidente Maduro".
Listas de funcionários foram distribuídas nos ministérios de Alimentação, Indústrias Básicas, Finanças, Trabalho e Gabinete da Presidência.
Há 10 dias, a presidente do órgão eleitoral, Tibisay Lucena, anunciou que a coleta de assinaturas para convocar o referendo será realizada no fim de outubro, mas não deu uma data precisa. O calendário oficial distancia a possibilidade de o referendo ser realizado antes do dia 10 de janeiro de 2017. Se o mandato de Maduro for revogado antes dessa data, eleições devem ser convocadas, mas, se for depois, seu vice-presidente completará os dois anos restantes do mandato. E aí vem outro detalhe importante e que sempre deve ser lembrado: o vice, na Venezuela, é escolhido pelo presidente como se fosse um ministro. Ou seja, Maduro pode escolher alguém de confiança e continuar governando nos bastidores. Seria como um "presidente laranja" - já se cogitou até que ele escalaria a própria mulher, Cilia Flores, para ocupar o cargo.
Enfim.
Maduro enfrenta o descontentamento de uma população que sofre com escassez de alimentos e remédios, que atinge 80% do país, e uma inflação de 180,9% em 2015, com estimativa de que supere os 700% em 2016. Filas se acumulam por todo o país. A crise é cada vez mais intensa. E a população dá sinais de esgotamento. Pesquisa Datanálisis apurou que 75% o querem fora do poder.