A cada mortífero atentado terrorista na França, reemerge aqui o debate sobre o restabelecimento da pena de morte no país. Não foi diferente desta vez, após o massacre de Nice que deixou 84 vítimas – entre elas 10 crianças – no asfalto da Promenade des Anglais, em pleno feriado nacional de 14 de julho, o terceiro atentado de grande escala em solo francês desde janeiro do ano passado. Robert Badinter, o ministro da Justiça do governo François Mitterrand que acabou com a pena capital na França em 9 de outubro de 1981, ainda cumprida na época pelo uso da guilhotina, permanece, aos 88 anos, um dos mais combativos resistentes a uma modificação da lei, por razões humanistas, jurídicas e pragmáticas.
A pena de morte não pode ser dissuasiva para terroristas que perecem em um ataque ao mesmo tempo em que provocam a morte de suas vítimas, argumenta. Além disso, Badinter afirma que a execução de um terrorista suscitaria ainda mais vocações de candidatos a mártir e estimularia novos ataques. Em 2007, foi dado um passo suplementar: a abolição da sentença capital foi mesmo introduzida na Constituição francesa. O ex-ministro é, inclusive, contra a prisão perpétua sem a possibilidade legal de uma redução da pena ou de liberdade condicional. Isso mesmo no caso de condenados como Salah Abdelsam, o terrorista sobrevivente de Paris. Badinter cita o escritor Victor Hugo, defensor de um direito que a sociedade não poderia retirar de ninguém: o de se tornar uma pessoa melhor.
Como ministro, Badinter defendeu ainda na Assembleia Nacional, em dezembro de 1981, a supressão do delito de homossexualidade do código penal francês, uma herança da República de Vichy. "É hora de reconhecer tudo o que a França deve aos seus homossexuais", disse na ocasião, para assombro do grupo de deputados conservadores.
Mas, antes de tudo isso, em 1972, o então advogado Robert Badinter não conseguiu salvar da guilhotina seu cliente Roger Bontems, condenado por assassinato, e na madrugada de 28 de novembro daquele mesmo ano presenciou sua execução, na macabra cena da pesada lâmina projetada para, num átimo, separar cabeça e tronco. Quando o entrevistei certa vez aqui em Paris, já como senador, no gabinete de seu belo apartamento com vista privilegiada para o Jardim de Luxemburgo e a abóbada do Panteão, Badinter, com suas salientes sobrancelhas em circunflexo e o olhar esfíngico sobrevoando as copas das árvores, confessou:
– Depois daquele dia, nunca mais fui o mesmo. E, sobretudo, nunca mais encarei a Justiça da mesma maneira.
Verão no La Villette
Quem flanar atualmente pelos vastos espaços do Parc de La Villette, ao norte de Paris, vai deparar com 12 enormes totens ao longo do que foi batizado de "rambla brasileira". As estátuas gigantes representam 12 escolas de samba do Rio de Janeiro, e a ideia foi criar um "ambiente carnavalesco" em pleno verão parisiense. Carnavalices à parte, infelizmente o melhor programa estival no parque, o cinema ao ar livre com telão no gramado e a exibição de filmes clássicos e modernos, franceses e internacionais, foi anulado este ano por questões de segurança. Seria a 26ª edição do Cinéma en Plein Air, apreciado não apenas por sua eclética programação, mas pelos piqueniques regados a queijos e vinhos entre amigos ou em família antes de cada sessão, à espera da noite estrelada e da magia da sétima arte. As projeções, que ocorreriam até 21 de agosto, foram canceladas por "não apresentarem as garantias necessárias de segurança", segundo a avaliação das autoridades, que reforçaram a vigilância após o massacre terrorista de Nice.
HQ da pintura
Acabam de sair do forno por aqui os dois mais recentes volumes da ótima coleção de quadrinhos Os grandes pintores (ed. Glénat), que, de forma lúdica e instrutiva, aborda aspectos da vida e obra dos maiores nomes das artes de todos os tempos. Nos álbuns mais recentes, os escolhidos foram Renoir e Géricault. No primeiro, os autores Dodo e Ben Radis nos fazem mergulhar na efervescência artística de Montmartre do final do século 19, numa Paris popular pré-I Guerra Mundial, e nas relações de Renoir (1841-1919) com outros artistas, como Erik Satie, Monet, Mallarmé, e com suas musas – e amantes – Suzanne Valadon e Aline Charigot, modelos de telas como Danse à la ville e Danse à la campagne (ambas produzidas em 1883), respectivamente.
No segundo volume, Frank Giroud e Gilles Mezzomo narram o nascimento, entre 1818 e 1819, de um dos quadros mais célebres da história, em que Géricault retrata o naufrágio da fragata francesa Medusa, hoje exposto no Museu do Louvre. A coleção, em seu 16° volume, já teve como protagonistas Van Gogh, Gauguin, Courbet, Bosch, Schiele, Da Vinci, Goya e Toulouse-Lautrec.