Cientista político da prestigiada London School of Economics, o uruguaio Francisco Panizza avalia que a América Latina está entrando num novo ciclo de descontentamento político. Ele falou sobre o conturbado momento do Brasil, país onde viveu durante três anos.
Qual é sua opinião sobre os recentes desdobramentos da crise no Brasil, a divulgação das gravações e o impedimento de Lula tomar posse como ministro?
Sem ser especialista em Direito, minha opinião é que a gravação e a divulgação parecem ter sido ilegais e que o impedimento faz a Justiça entrar perigosamente nos domínios da política. Com isso, não quero dizer que Lula não tenha de ser investigado como qualquer outro cidadão por alegados atos de corrupção e que não se possa discordar sobre os motivos da presidente Dilma Rousseff em nomear Lula como ministro. Mas esse debate pertence fundamentalmente ao campo da política.
Esta é uma crise que será resolvida nas ruas, pela pressão popular, ou nos tribunais, numa disputa jurídica?
Deve-se distinguir dois aspectos da crise, embora eles estejam fortemente relacionados. O primeiro tem a ver com a investigação judicial contra Lula e todos os supostos envolvidos no caso da Petrobras. É fundamental que a Justiça leve adiante essas investigações com total independência de pressões políticas, seja das ruas ou do governo. Essa é a essência do Estado de direito na base da democracia. Lamentavelmente, não parece ser esse o caminho da investigação. A segunda é o processo de impeachment da presidente Rousseff. Neste caso, me parece que o jurídico está sendo subordinado ao político e, como visto em processos similares na América Latina, as ruas terminam pesando mais do que os méritos da causa.
De que modo a crise no Brasil pode influenciar os demais governos da América Latina?
Há uma enorme preocupação pelo que está acontecendo no Brasil, mas não acredito que tenha um impacto direto sobre outros governos. O que estamos vendo é que, após uma década de estabilidade política associada a fortes melhoras econômicas e sociais, a América Latina está entrando num novo ciclo de descontentamento político. Processado democraticamente, isso pode fortalecer a democracia, dando opções de mudança política, mas também abre possibilidades de uma quebra na relação entre legalidade e legitimidade que pode ser perigosa na região.