Quando, na manhã de 7 de janeiro de 2015, fui alertado por flashes no telefone celular de um tiroteio no bairro da Place de la Bastille, não imaginava que logo depois estaria diante da sede do jornal Charlie Hebdo, testemunha do terror que se estenderia por mais dois dias e provocaria um total de 17 mortes na região parisiense. Na noite de 13 de novembro passado, quando me preparava para sair à rua, para festejar o aniversário de um amigo em um bar, mais uma vez alertas celulares anunciaram tiroteios na cidade, e naquela hora também não poderia pensar que minutos depois estaria nas proximidades da casa de shows Bataclan, e que só retornaria para casa depois das 4h de uma trágica madrugada de saldo de 130 vítimas da violência terrorista.
Na última terça-feira, despertei com as notícias das explosões em Bruxelas, e tive apenas o tempo de jogar algumas roupas em uma maleta para estar na estrada a caminho da capital belga, palco de mais uma sangrenta ação do Estado Islâmico, que ceifou a vida de mais de 30 pessoas. As tragédias se sucedem com certa facilidade e ousadia assustadoras, em uma Europa aterrorizada e impotente diante da ameaça terrorista – sem falar nos recentes atentados realizados na Turquia ou em solo africano. “Quando e onde será o próximo ataque?” é a pergunta que ecoa no rastro das mortíferas detonações e das rajadas de Kalashnikov.
Em Bruxelas, o bairro de Molenbeek é considerado epicentro do jihadismo europeu. Por entre seus 96 mil habitantes, 60% de origem muçulmana, transitaram os principais atores dos ataques de Paris e de Bruxelas. Moradores estão fartos da celebridade alcançada por nefastas façanhas.
Karim Bazah, 36 anos, belga de nascimento, com origem marroquina, muçulmano crente e praticante, abriu há sete meses o café Le Palais de Balkis em uma das principais vias comerciais de Molenbeek.
– O que diferencia não é a religião, mas a ignorância – filosofa. – O pior inimigo dos islã não é o judeu ou o cristão, como alguns querem fazer crer, mas o muçulmano ignorante.
A raiz do problema, segundo ele, está na educação.
– É uma questão grave no bairro e para a humanidade, isso deveria ser prioridade para os políticos. Mas tenho certeza de que ainda faremos belas coisas aqui em Molenbeek – diz, otimista.
Na Place de la Bourse – que assumiu em Bruxelas o mesmo papel da Place de la République parisiense, eleita local de luto e de encontro de uma população atacada e atemorizada –, a estudante Eloise Roulette, 21 anos, com a bandeira da Bélgica colocada como uma capa nas suas costas, conta ter feito vigília em memória das vítimas dos terroristas e em solidariedade aos feridos.
– Vim porque ainda acredito na paz. Talvez seja uma ideia utopista, mas temos de continuar acreditando nela. Ficar em casa seria assumir um fracasso, e vir aqui é mostrar que não temos medo – afirma, com o semblante fatigado pelas poucas horas de sono.
Por vezes, as imagens dos três atentados se misturam, entre cenas de pânico, de sofrimento, de descrença, de incompreensão ou de solidariedade, tendo como pano de fundo a cacofonia de discursos de lideranças europeias em busca de ações e soluções. Por vezes, escuto novamente a voz da brasileira Samla da Rosa, que estava no metrô no momento da explosão na estação Maelbeek – apenas um vagão à frente do em que se encontrava o kamikaze Khalid El Bakraoui –, contando como conseguiu escapar do cenário de guerra e depois permaneceu por alguns minutos na rua, o corpo coberto de fuligem, mirando um “braço vestido” decepado, estendido solitário na calçada, como se tivesse sido repentinamente catapultada para um filme de terror. Por vezes, alguém me pergunta onde e quando será o próximo ataque, como se tivesse poderes de prever o dia em que, ocupado em alguma banal tarefa, um alerta no celular me teletransportará novamente para alguma praça repleta de pesadelos e de velas acesas, pequenas chamas de esperança.