A comunidade cigana soma cerca de 500 mil pessoas no Brasil, segundo estimativas. Apesar de numerosa, ela é “invisível” para as autoridades brasileiras, sofrendo com o baixo acesso a educação, saúde e participação política e sendo alvo frequente de criminalização devido à propagação de estereótipos e preconceitos, inclusive por parte dos meios de comunicação.
A conclusão é de documento divulgado este mês pela relatora especial das Nações Unidas para minorias, Rita Izsák, com base em um evento realizado no ano passado em Brasília sobre a situação dos ciganos nas Américas, que contou com a participação de representantes de comunidades ciganas de Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Equador e Peru.
O relatório usou o termo “cigano” para se referir a grupos heterogêneos, que vivem em diferentes países e sob diversas condições sociais, econômicas e culturais, mas unidos por raízes históricas e linguísticas comuns.
De acordo com o documento, as comunidades ciganas das Américas estão entre as mais discriminadas e marginalizadas social e economicamente, sendo politicamente subordinadas aos membros das sociedades em que vivem.
“Poucas políticas oficiais ou programas existem dedicados a promover e proteger os direitos dos ciganos na região”, disse o texto. “Mais do que isso, a identidade dos ciganos como um grupo distinto é frequentemente desconhecida ou mal interpretada.”
Ciganos no Brasil
As comunidades ciganas brasileiras alertaram à especialista da ONU sobre a falta de dados oficiais do governo federal em relação ao tamanho de suas populações no país, assim como sobre sua situação socioeconômica.
A estimativa é que existam cerca de 500 mil ciganos no Brasil, em 337 municípios de 21 Estados. Para obter dados mais precisos, o governo federal comprometeu-se a incluir essa comunidade como uma categoria demográfica separada no próximo censo de 2020.
Representantes de comunidades ciganas brasileiras disseram à especialista da ONU que esse prazo é, contudo, muito longo, sendo necessário criar mais rapidamente políticas públicas para combater a disseminação de estereótipos negativos sobre essas populações.
“Esses estereótipos são frequentemente perpetuados pela mídia, por meio da reprodução de imagens e representações de ciganos ‘sujos, trapaceiros e imorais’”, disse a relatora no documento. “Esses estereótipos também contribuem para a criminalização das comunidades ciganas, incluindo discriminação para acesso a espaços públicos.”
Os representantes das comunidades também citaram o difícil acesso às escolas, afirmando que muitas delas vetam a matrícula de alunos ciganos. Mencionaram ainda a presença de conteúdo preconceituoso em livros escolares, que ainda incluem descrições pejorativas dessas comunidades.
Outra questão abordada foi a dificuldade para ciganos obterem documentos de identidade válidos, o que acaba minando seu acesso a serviços de saúde e programas de vacinação.
“No Brasil, as famílias de ciganos estão frequentemente em situação de extrema pobreza, sem acesso a eletricidade, água potável e saneamento básico adequado”, disse a especialista da ONU no documento.
Situação nas Américas
O cenário para as comunidades ciganas em outros países das Américas não é muito diferente do encontrado no Brasil, mostrou o relatório.
Conforme o documento, as comunidades ciganas da Argentina relataram sofrer com atitudes discriminatórias generalizadas no país, além de abuso policial e violência nas situações de despejo dos acampamentos em que vivem.
Na Argentina, a população cigana soma cerca de 300 mil pessoas, sendo a segunda maior entre os países analisados depois do Brasil. No país vizinho, estima-se que apenas 5% dos ciganos mantenha estilo de vida nômade, já que a cultura das migrações nessa comunidade acabou nos anos 1950, após proibição do presidente Juan Perón.
No Chile, a comunidade soma 50 mil pessoas, também de acordo com estimativas, já que não há dados oficiais para confirmar esse número. Os ciganos normalmente vivem em pequenos acampamentos de 20 a 100 pessoas naquele país.
No Peru, existem aproximadamente 5 mil ciganos, sendo muitos deles descendentes de europeus que migraram nos anos 1930 para fugir do nazismo na Europa. A população cigana no país está em expansão, uma vez que ciganos mexicanos têm se mudado para o Peru.
Recomendações
A fim de enfrentar o difícil cenário para essas populações nas Américas, a relatora das Nações Unidas recomendou que os países da região reconheçam os ciganos como uma minoria distinta, para que possam assim exercer plenamente seus direitos humanos.
“A coleta de dados sobre as populações ciganas na região é de suma importância para ajudar na criação de políticas públicas e para saber o número de ciganos vivendo nos países e sua situação socioeconômica”, disse.
A relatora recomendou que os Estados garantam que a história dessas populações seja ensinada nas escolas, e que qualquer referência discriminatória e estereotipada nos materiais escolares seja removida.
“A criação de leis anti-discriminação e medidas afirmativas são necessárias para endereçar a falta de acesso à educação, saúde, habitação, emprego, redução da pobreza, acesso à Justiça e assim por diante”, concluiu.
O relatório recomendou também um treinamento especial às forças policiais dos países das Américas para garantir os direitos das minorias ciganas, e que os Estados investiguem de forma apropriada quaisquer crimes contra indivíduos e comunidades, incluindo iniciativas de discriminação.