Não será a cena cinematográfica que muitos queriam, do presidente americano discursando na Casa Rosada enquanto manifestantes gritam em frente, na Praça de Maio, por justiça aos 30 mil mortos e desaparecidos. Isso poderia se dar neste 24 de março, dia que marca os 40 anos do cruento golpe militar e da ditadura que se seguiu. Foi na véspera dessa efeméride, porém, que Obama esteve na sede do governo argentino, com a mítica praça ainda vazia. Mas, de lá, não deixou de dar seu recado, lamentando que, em política externa, "há momentos de glória e outros que são o contrário". Confirmou que os EUA desclassificarão os arquivos militares e de inteligência sobre os sete anos de exceção. E também adiantou que homenageará "o heroísmo de quem se opôs" ao regime despótico.
Essa homenagem ocorrerá quando o presidente americano visitar o Parque da Memória, onde funcionou a Escola de Mecânica da Armada (Esma), o mais famoso centro de torturas. A boa vontade do primeiro negro presidente dos EUA, um seguidor do democrata Jimmy Carter que vem de um histórico reatamento com Cuba, foi bem recebida.
Poucos perceberam que ele cometeu uma gafe. Ao dizer que no 24 de março visitaria "as tumbas das vítimas", confundiu a Esma com um cemitério. Bem, para muitos, é disso mesmo que se trata. Ainda assim, mesmo reconhecendo a boa vontade do americano e ouvindo do argentino Mauricio Macri que aquele foi "o capítulo mais escuro da nossa história", os organismos de direitos humanos decidiram não acompanhá-lo nessa agenda.
As organizações de direitos humanos se reuniram e concluíram que seria inapropriado, no dia que marca os 40 anos do golpe, estar ao lado de um presidente americano na antiga Esma. Os motivos são o personagem, representante do país que deu apoio decisivo à ditadura, e o ambiente, lugar inconveniente nessas circunstâncias. Adolfo Pérez Esquivel, ícone da resistência e Prêmio Nobel da Paz em 1980, resumiu o sentimento dos ativistas argentinos.
– Os EUA são os responsáveis pelos golpes de Estado na América Latina – disse, cobrando de Obama alguma declaração que faça alusão à participação americana no golpe e na longa noite que se instaurou.