Férias da família, e meus pais optaram por tirá-las sozinhos. Faz 10 anos, e o litoral gaúcho, de geografia nada acidentada, areia e mais areia, foi a escolha natural do casal que percorreria os 700 quilômetros do Alegrete ao Atlântico.
Optaram por um hotel. Os 15 dias seriam especiais devido a um produto tecnológico recém adquirido: uma câmera digital. Comprada com dólar baixo em Rivera, num freeshop com cheiro de perfume, pela primeira vez num veraneio, meus pais teriam mais que 36 poses para deixar eterna uma viagem para a praia.
Você, menino e menina, das milhares de fotos tiradas em um ano, sim: antes era muito caro e trabalhoso fotografar. Era preciso comprar um filme, rezar para colocá-lo corretamente na câmera, espiar no retângulo se o quadro estava bonito e pá: outra oração para observar as fotos que seriam reveladas posteriormente. Detalhe: o local de revelação acabava vendo todas as suas poses. Zero privacidade da sua sunga e biquíni. Tempos burocráticos e de bisbilhotice.
Mas, desculpem, afastei-me do verão dos meus pais com uma máquina digital. Bom, papai e mamãe posaram para muitas fotos. Transeuntes, vizinhos de guarda-sol eram convocados para deixarem eterno o casal fronteiriço em posições demonstrando a riqueza daquela temporada. As fotos mostrariam o chimarrão, meu pai sem camisa, minha mãe deitada na canga, enfim, o casal, com quatro filhos espalhados pelo sul do Brasil, sozinho, curtindo o mar gelado de Magistério.
Sendo assim, tudo correu de maneira agradável. Voltaram maravilhados com o tempo de descanso, meu pai leu dois livros – hoje ele está acabando o último da série Game of Thrones –, minha mãe se afastou um pouco da máquina de costura e aquele verão foi, realmente, espetacular. Como eles estavam pela primeira vez manejando uma câmera digital com fotos "até acabar o cartão", eles não olhavam como tinha ficado cada instantâneo.
Na volta, nós, os quatro filhos, ficamos curiosos para curtir as fotografias e montamos um aparato com janta, bebidas e a câmera linkada à televisão. O resultado foi um dos momentos mais engraçados dos Da Silva Lopes: eles não tiraram nenhuma foto. Nenhuma! Eles, simplesmente, filmaram toda a temporada! Cada pessoa que tocava na câmera esperando fazer uma foto, filmava sem perceber.
A janta de apresentação das férias virou uma sessão de cinema, com dezenas de pequenos vídeos de 10 segundos, com meus pais fazendo poses, congelados, falando coisas engraçadas com os dentes fechados para não estragar o sorriso. Era a tecnologia aprontando das suas, mas alegrando a família com o fato.
É assim que me sinto olhando o Snapchat hoje em dia. Estou, com quase 37 anos, levando uma surra da gurizada fazendo fotos e vídeos que se destroem ao serem vistos. Com textos que se apagam naturalmente, com um mundo que não guarda mais nada em estantes. A música está na "nuvem", que pago uma mensalidade para guardar. Os filmes ainda persistem em guerreiros cinemas, mas demoram para chegar, ficam por pouco tempo – e a pipoca, às vezes, não está quentinha.
Não acumulamos mais nada. Esse tempo passou. Arte virou luz e água: contas mensais, que são acessadas com internet boa. É ruim? Não. É irreversível. Por isso que meu sentimento de impaciência com o Snapchat é um erro. Preciso me adaptar e não ficar reclamando. E meus pais, há uma década, na verdade, previam o futuro. Todo aquele festerê deles na praia foi gravado em diversos vídeos de 10 segundos. No final das contas, os pais sempre estão certos.
O melhor dos vídeos? Um em que eles aparecem sorrindo. Fiz um print.