A frase de Nicolás Maduro, para qualquer observador atento, é a concessão de um governante autoritário. "Observando esses resultados, viemos com a nossa moral (sic!), nossa ética (sic!!!), para reconhecer estes resultados adversos, e dizer para a nossa Venezuela que a Constituição e democracia triunfaram".
Puxa, obrigado, chefe!
O uso dessas palavras, "moral" e "ética", fazem-se necessárias, claro.
Foi isso o que Maduro disse no final da noite de domingo, depois de, na campanha, ter usado as emissoras de TV estatais como instrumento próprio e de se autointitular o representante da pátria, num viés totalitário. O que se depreende da “concessão” do agora ex-todopoderoso Maduro?
Parece que a pressão internacional funcionou. Tudo bem. A oposição fica com mais de cem dos 167 assentos da Assembleia unicameral. Mas poderia ser pior.
Os chavistas ainda procuram pôr seu fracasso no colo do "império" e da oposição que teriam, sordidamente, protagonizado uma "guerra econômica" calculada nos mínimos detalhes, que deixou o país com recessão de 10% inflação superior a 200% anuais, desabastecimento de mais da metade dos produtos mais necessários da cesta básica e pobreza superando os 30%.
Não, claro que não foi o fracasso de uma política econômica que teve basicamente dois méritos: tirou os rendimentos do petróleo de uma elite que precisava realmente passar pela sacudida que passou e usou esse mesmo dinheiro para promover iniciativas de fundo assistencial que tiveram lá seus méritos, só que sem sustentação – a falta de uma diversificação econômica deixou o país preso à pretrodependência.
O petróleo continuou sendo o produto que traz mais de 95% das divisas. Quando seu preço baixou, babaus para a estratégia simplória de fazer a tão necessária justiça social uma medida de fôlego previsivelmente curto.
Provavelmente foi a questão econômica que levou o Brasil a enfim esboçar alguma reação em relação aos assassinatos e às prisões políticas – muitas delas sob o argumento vazio de que seriam eles, os oposicionistas, os responsáveis pela violência que tomou conta do país e que vitimou, principalmente… oposicionistas! O Brasil se deu conta de que as estatais venezuelanas infladas devem US$ 2,5 bilhões (R$ 9,4 bilhões!!!) a empresas brasileiras. Ora, isso é muito dinheiro. Então, o Itamaraty se dignou, finalmente, a fazer coro com a ONU, com a OEA e com diversos outros governos para pedir prudência ao senhor Nicolás Maduro na sua sanha autoritária. Tanto foi assim, que, no último dia 30, a chanceler venezuelana Delcy Rodríguez telefonou para o colega brasileiro, Mauro Vieira, para lhe dar explicações sobre o inexplicável assassinato de um líder opositor em meio a um comício.
Os pretensos esclarecimentos vieram depois de nota emitida pelo Itamaraty, que pedia "zelo" das autoridades venezuelanas por eleições "limpas e pacíficas". Vieira estava com a presidente Dilma Rousseff na conferência do clima (COP21), em Paris. Atendeu ao telefone, ouviu tudo e certamente pensou o que pensam todos os diplomatas brasileiros: enfim, pudemos agir. Sim, porque não é do Itamaraty que parte a linha da diplomacia brasileira, em especial quando os assuntos envolvem vizinhos – mais ainda quando são os "bolivarianos". O presidente eleito da Argentina, Mauricio Macri, vem falando em acionar a cláusula democrática do Mercosul. Caso continuem os desmandos bolivarianos, que a Venezuela seja suspensa, como o foi o Paraguai, que, em processo de tiro sumaríssimo, afastou o presidente Fernando Lugo. Claro, Lugo é de esquerda. Mas isso não deve ser critério…
Agora, vai aqui uma dica de quem conhece Dilma dos tempos em que ocupava cargos econômicos importantes no Rio Grande do Sul. Certamente, ela e Macri encontraram muito mais afinidades do que diferenças no encontro que tiveram. Em relação à Argentina, não duvide de que as relações, com Macri, passarão a ser mais fluidas. Ele até já avisou que, no dia seguinte à posse do dia 10, tratará de romper os embaraços alfandegários que desagradam o Brasil e anulam o Mercosul. Na Fiesp, Macri foi intensamente aplaudido. No Planalto, em tese aliado de sua rival Cristina, houve aplausos, sim, só que bem mais discretos.
O fato é que, nesse contexto todo, Maduro percebeu: o que está péssimo para ele pode ficar infernal. O isolamento da Venezuela era pedra cantada. Ele sentiu que não poderia se consolidar como Idi Amim Dadá latino-americano. E resolveu fazer uma concessão, com a sua "moral" e sua "ética", como quem avisa: lambam os beiços e aproveitem tamanha generosidade!
A Venezuela, que ainda tem uma institucionalidade muito mais precária que a brasileira, parece ter percebido: o mundo rejeita golpismos e regimes autoritários. Certamente, esse recado está dado para os golpistas da oposição venezuelana, que são muitos.
Também deve servir de reflexão para alguns integrantes do governo brasileiro e para oponentes oportunistas, sedentos pelo impeachment vingativo promovido por um político desprovido de moral em todos os sentidos contidos nesse termo.
Aliás, haverá uma defesa desse atalho no próximo dia 13 de dezembro, não? Poxa, que sugestivo… Treze de dezembro marca os 47 anos do sombrio AI-5! Não sabe o que foi o AI-5. O momento é oportuno para lembrá-lo. Tomara que Maduro não seja o único a se dar conta, à esquerda e à direita.