Já contei aqui que sou frequentador assíduo da feira de produtos orgânicos das manhãs de sábado no bairro Tristeza, na zona sul da Capital. No último fim de semana, acompanhando a compradora da casa, mantive as antenas de cronista ligadas para captar o espírito do dia dos feirantes e da clientela. Compartilho o que entreouvi:
— Tem que acabar com esse tal Fundo Eleitoral. Eles que usem o próprio dinheiro pra fazer campanha! — bradava um senhor de boné que comprava rabanetes, num diálogo paralelo com o vendedor.
— Tem muita maçã podre naquele cesto — devolvia o bem-humorado atendente, usando a linguagem de seu ofício.
Na banca ao lado, que vende ovos caipiras e mel, a feirante comentava sobre o morto ilustre do dia:
— Pois é, coitado! Eu gostava muito dos programas dele. Mas já tava bem velhinho, né? — justificava.
Há controvérsias, pensei. Muita gente diz que a velhice é uma bênção, pois a alternativa de não chegar a ela sempre será pior. Já o próprio finado, segundo sua filha, no dia em que completou 93 anos fez um comentário que de certa forma autoriza a visão pesarosa da fã:
— Ficar velho é muito ruim. Dói tudo! — teria dito o apresentador televisivo que distribuía dinheiro no auditório.
Na banca de produtos sem glúten também se falava em dor, mas sem relação com política ou etarismo. Do seu lado do balcão, a jovem e simpática atendente dizia sorrindo para uma visitante habitual:
— Me dói o coração não poder te dar um abraço!
O freguês ao lado estranhou:
— Ué, e por que não dá?
— Porque ela não quer, está gripada! — explicou a jovem.
Gente sensata, fiquei pensando: tanto a que renunciou ao abraço afetuoso para proteger a amiga de uma eventual contaminação quanto a outra que buscou palavras carinhosas para irrigar a amizade.
Na banca das bananas, onde encerramos as compras do dia, outro diálogo solto contribuiu para o fechamento desta crônica:
— Essas bananas estão verdes demais! — dizia uma freguesa.
— Estão começando a amarelar. Em três dias estarão maduras! — assegurou o vendedor de forma tão convincente que a cliente acabou comprando.
Três dias! Não deixa de ser um consolo saber que a juventude das bananas é bem mais breve do que a nossa. Já aquela ideia de acabar com o Fundo Eleitoral acho que dificilmente amadurecerá algum dia.