Sim, já raiou a liberdade no horizonte do Brasil.
Mas, duzentos anos depois daquele grito famoso do primeiro Pedro da nossa História, cena que o segundo Pedro mandou um terceiro Pedro pintar a óleo para homenagear o pai – ainda que historiadores irreverentes digam ter sido apenas um grito de cólica intestinal –, os filhos desta pátria amada e idolatrada ainda não podem ver contente a mãe gentil, nem estar eles próprios contentes, porque muitos passam fome, outros tantos suplicam ajuda em cartazes de papelão nas esquinas das grandes cidades, alguns mais desesperançados habitam marquises e cracolândias.
A maioria da população, porém, continua lutando bravamente para construir um país digno e uma vida melhor.
Sim, libertamo-nos dos colonizadores de então, hoje amigos e anfitriões de tantos brasileiros que buscam na terra deles a segurança e a prosperidade escassas por aqui, agora sem os riscos das travessias por mares nunca dantes navegados que bem podiam desaguar nos abismos da ignorância terraplanista, infelizmente ainda encravada em algumas cabeças duras do nosso tempo.
Liberdade, ainda que tardia.
Pena que não nos libertamos totalmente dos grilhões do racismo estrutural, das correntes do preconceito e das algemas do arbítrio, que persistem arraigados em corações e mentes resistentes aos novos tempos, aos novos valores e à sociedade da liberdade, da igualdade, da fraternidade e da diversidade. Nossa brava gente, porém, se mostra a cada dia mais consciente para enfrentar essa face hostil do passado, encarando-a, desafiando-a, opondo-se ao seu conservadorismo nefasto, mostrando-lhe que o mundo mudou. O Brasil já não grita mais por independência política: grita por democracia, por decência, por trabalho, por comida, saúde e educação para todos, por paz e segurança, por defesa do meio ambiente e pelos direitos individuais e coletivos de seu povo.
Nesse contexto, deixo aqui o meu apelo patriótico. Brasil, mostra tua cara e tua coragem. Levanta do teu berço esplêndido e prova ao mundo que tens capacidade de conquistar o futuro. Dois séculos depois daquele episódio do Ipiranga, creio que já adquirimos maturidade suficiente para celebrar a atual Semana da Pátria de forma pacífica e civilizada, compartilhando nossas semelhanças e tolerando nossas divergências com um novo brado coletivo.
Independência e vida!