Quando a gente envelhece – já disse um engraçadinho –, esquece o que queria lembrar e lembra o que queria esquecer. Mas, às vezes, ter vivido muitos futuros te dá um status de sábio, ainda que a idade avançada costume trazer mais cansaço do que sabedoria. No meu caso, não é incomum que os jovens da família me confundam com o doutor Google, especialmente quando não podem recorrer ao próprio para equacionar suas dúvidas.
Pois numa das nossas últimas reuniões familiares, uma sobrinha me apareceu com um jogo de Cinco Marias, caprichosamente confeccionado com minúsculos saquinhos de tecido preenchidos com arroz. Só que ninguém do grupo sabia jogar. Então o tiozão aqui se apresentou.
– É fácil! – garanti. E passei à demonstração.
Primeiro, lancei as cinco peças sobre a mesa. Depois, apanhei uma delas, arremessei para o ar e fui recolhendo cada uma das outras, sem deixar o saquinho voador cair. Repeti a operação recolhendo duas a duas. Depois, três e uma. Quando fazia a jogada das quatro peças e já me preparava para o lambisco e a ponte (quem jogou isso na infância sabe do que estou falando), aconteceu um imprevisto.
Antes de relatá-lo, registro um pouco da história desse jogo antigo que tinha o dom de reunir meninas e meninos na mesma brincadeira, numa época de discriminação e separação de gêneros. Segundo o professor Luís Augusto Fischer, no seu Dicionário de Porto-Alegrês, o jogo das pedrinhas – como ainda é chamado em outras regiões – teria sido difundido por soldados gregos, que o aprenderam na Guerra de Troia, onde era jogado com ossinhos de carneiro. Como gregos e troianos passaram 10 anos se matando, tiveram mesmo tempo para inventar joguinhos e outras curiosidades, entre as quais o famoso cavalo de madeira usado para furar a resistência da cidade sitiada. Se os farrapos tivessem lido Homero, talvez Porto Alegre não ostentasse hoje o seu título de Leal e Valorosa.
Outra dúvida que deixo para o professor Fischer responder: considerando sua origem, não teria sido mais apropriado chamar o jogo de Cinco Helenas?
Está bem, já estou viajando demais. Vamos ao final imprevisível da minha aula de Cinco Marias. Ao executar o movimento de aparar as quatro peças, uma delas escapou da minha mão e caiu em direção ao chão. Antes que pudéssemos juntá-la, o cachorro da casa, que acompanhava atentamente a demonstração e provavelmente estava se sentindo excluído, mostrou sua habilidade para pegar coisas no ar.
Com apenas quatro Marias, tivemos que encerrar o jogo.