Quino morreu em 2020, mas Mafalda vive – e tomara que viva para sempre. Celebrado pelo Google no último domingo, por ocasião do 90º aniversário do seu nascimento, o genial cartunista argentino deixou como legado para a humanidade o irrenunciável ideal pacifista de sua principal personagem.
Contam as tiras que o sonho de Mafalda era ser intérprete da ONU para curar o mundo da sua maior enfermidade. Sempre que um político falasse “guerra e discórdia”, ela traduziria por “paz e união”. É uma ingenuidade, evidentemente, até mesmo porque os belicistas mentem mais, atiram antes de dialogar e só depois buscam pretextos para suas perversidades. Mas a ideia de uma tradutora humanitária provocando mal-entendidos bem intencionados nos faz sorrir e pensar.
O que Mafalda realmente traduz, com perguntas fulminantes e observações irônicas sobre temas como consumismo, desigualdades sociais e agressões ambientais, é o inconformismo da sua legião de fãs com as injustiças do mundo. Ela não mexe apenas com a imaginação dos leitores: mexe com suas consciências.
A garotinha prodígio é um verdadeiro grilo falante no ouvido dos adultos insensíveis e dos poderosos. Considerada a data de sua criação, Mafalda fará 58 anos no próximo dia 30 de setembro, mas nunca deixou de ser menina. Aliás, como diz uma amiga querida da minha geração, hoje em dia qualquer menina tem 58 anos. Além disso, a própria Mafalda deixou uma mensagem inspirada sobre a passagem do tempo:
— Que importa a idade? O que realmente importa é perceber que, no fim das contas, a melhor idade da vida é estar viva — registrou Quino pela voz de sua filha dileta.
Mafalda não virou intérprete da ONU, mas me ajudou a entender melhor a língua espanhola quando trabalhei na cobertura da Copa da Argentina, em 1978. Em Mar del Plata, onde acompanhei a Seleção Brasileira, tive a oportunidade de comprar uma coleção inteira de revistinhas da menina que conversa com o globo terrestre como se ele fosse um membro da família. São as minhas cenas preferidas. Ainda me lembro bem de uma tira em que a mãe de Mafalda, em meio à faxina da casa, pede à filha para passar o espanador na esfera empoeirada. Ela olha para o globo durante algum tempo e questiona:
— Es para limpiar todos los países o solo los mal gobernados?
Por favor, relevem algum eventual erro de espanhol. Aprendi com uma menininha de seis anos. Viva Mafalda! Gracias, Quino!