Acabo de passar minha 41ª noite com Sherazade e, confesso, estou mais apavorado do que encantado com suas histórias. Conhecia As Mil e Uma Noites por narrativas esparsas e infantilizadas, tipo Aladim e a Lâmpada Mágica, Ali Babá e os Quarenta Ladrões ou O Pescador e o Gênio. Agora resolvi ler a obra completa em dois volumes da Ediouro, na versão do tradutor francês Antoine Galland e com apresentação do brasileiro Malba Tahan. Leitura empolgante.
E também aterrorizante. Uma atrocidade atrás da outra: traições, esquartejamentos, execução por óleo fervente, decapitações, olhos vazados, escravidão, feminicídios, violências e preconceitos. Decididamente, não é um livro para crianças. Os escritores de histórias infantojuvenis retiradas desta seleção devem ter suado sangue para edulcorar seus contos e lendas.
A palavra mágica da narrativa é curiosidade. Em torno dela, da curiosidade do rei que mandava matar suas mulheres no dia seguinte às núpcias, e da curiosidade dos leitores pela continuação de cada episódio, sustenta-se essa obra-prima da literatura. Deve ter sido a inspiração para as séries cinematográficas e as novelas televisivas que cativam a atenção dos espectadores para o capítulo seguinte.
Sua leitura, por isso mesmo, é um exercício de paciência. Quando o leitor está ansioso pelo desfecho, Sherazade se cala para que o sultão vá governar – e a poupe até a noite seguinte. Nós, que não temos nada a ver com vingança do tirano contra todas as mulheres, até podemos passar logo de página. Mas estou decidido a manter o mesmo ritmo de uma história por noite.
Em contraponto às maldades relatadas no início, preciso dizer que os contos orientais também são protagonizados por príncipes, princesas, reis poderosos, heróis, aventureiros e gênios. Aliás, se um deles me concedesse o desejo de acrescentar uma historinha ao compêndio para desagravar as mulheres maltratadas, eu sugeriria aos editores a anedota da lâmpada mágica encontrada pelo casal de 60 anos que passeava na praia.
– Um pedido para cada um! – disse a gênia recém liberta.
A mulher pediu uma viagem pelo mundo com o seu querido marido e imediatamente ficou com as mãos cheias de passagens aéreas e reservas em hotéis luxuosos. Já o homem, ao ser inquirido, bancou o mau caráter:
– Eu quero viajar também, mas com uma mulher 30 anos mais jovem do que eu.
A esposa ficou decepcionada, mas a gênia não teve dúvidas: transformou o calhorda num idoso de 90 anos e desejou-lhes boa viagem.
Esperteza é mesmo uma palavra feminina.