Vi com certo atraso, embora nunca seja tarde para reverenciar pessoas talentosas, o documentário sobre o jornalista gaúcho Tarso de Castro. O filme é uma obra-prima do jornalismo, tanto por retratar um personagem verdadeiramente extraordinário deste nosso ofício insólito (no seu caso, insolente) quanto pelos depoimentos qualificados de seus amigos e companheiros de profissão.
Não o conheci pessoalmente e só acompanhei o Pasquim como leitor embasbacado, mas estou convencido de que ambos — o homem e o jornal — escreveram algumas das páginas mais surpreendentes, corajosas e libertárias da imprensa brasileira em todos os tempos.
Apparício Torelly, precursor do jornalismo irreverente no país, também confrontou o autoritarismo com humor e deboche no seu tempo de editor de A Manha, chegando mesmo a ser preso por isso no governo ditatorial de Getúlio Vargas. Mais do que isso: foi espancado por oficiais da Marinha, respondendo ao atentado com o sarcasmo do aviso que pendurou na porta de sua sala de trabalho na redação do jornal: “Entre sem bater!”
Tarso de Castro foi ainda mais atrevido e desafiador no Pasquim e nas diversas publicações que editou na fase mais inflexível da ditadura militar. Mas também era um gauche na vida, como no poema das sete faces de Drummond. Brigão, alcoólatra, mulherengo, machista, desaforado, perdulário e politicamente incorreto, colecionou desafetos, inclusive entre os companheiros de atividade.
Apesar disso, era um sedutor incomparável. É lembrado com carinho e saudade pelos amigos mais próximos, pela ex-mulher e por antigas namoradas — entre as quais a atriz norte-americana Candice Bergen.
O filme A Vida Extra-ordinária de Tarso de Castro, dirigido pelos jovens Zeca Brito e Leo Garcia, é também uma homenagem ao jornalismo romântico e um tanto irresponsável daqueles anos de chumbo e incertezas. Como disse um dos depoentes ouvidos pelos cineastas, o jornalista passo-fundense foi um verdadeiro buscapé – agitou as redações que frequentou, fustigou poderosos de todos os calibres e deixou um rastro de luz na sua curta passagem pela vida.