Ô Internet, filha pródiga da deusa Tecnologia, a que vieste?
Encolheste o planeta, padronizaste a humanidade, provocaste a maior transformação anatômica da evolução dos primatas ditos sábios, deslocando-lhes a voz para a ponta dos dedos, destruíste profissões e negócios seculares, reduziste a arte da leitura e da escrita a operações telegráficas, acabaste com a privacidade dos indivíduos e das multidões, fizeste do algoritmo uma arma de dominação em massa, democratizaste a comunicação, mas também concedeste poder inimaginável aos ricos de esperteza e aos pobres de espírito.
O que mais sairá desta tua inesgotável Caixa de Pandora?
A hipocrisia já saiu, lépida e faceira, a espalhar a felicidade falsa como um pesticida com rótulo de panaceia. Tudo é belo na rede, as famílias são unidas, as pessoas são lindas, os momentos de alegria parecem perenes e permanentes. Nada que se assemelhe à realidade. Aliás, o amor virtual, o bom dia virtual, o eu te amo virtual, todas essas boas intenções se tornaram banais e pouco efetivas, até porque, na maioria das vezes, são dirigidas a amigos virtuais, a seguidores virtuais, a estranhos virtuais, a desconhecidos virtuais. E o mais desconcertante é que acabam ocupando o espaço do abraço verdadeiro, do beijo afetivo, do contato pele e coração.
Talvez só os inimigos virtuais tenham direito a um sentimento real: o ódio. Esse, sim, navega nos teus mares digitais com impressionante autenticidade, ainda que seus operadores contumazes apreciem a pusilanimidade e o anonimato.
Apesar dessas constatações aparentemente apocalípticas, este usuário adicto e submisso reconhece tuas virtudes: és, também, um avanço científico, uma proeza da inteligência e da imaginação, uma ferramenta com potencial para transformar os rumos da civilização e qualificar a aventura da vida.
Pensando bem, mudo a pergunta inicial: ah, ser humano, a que vieste?