Podem me chamar de "idiota da objetividade", como fazia Nelson Rodrigues com seus revisores no jornal, mas já impliquei com o modelo das novas placas "toponímicas" (topo o quê?) que serão instaladas nas esquinas de Porto Alegre. Nada contra o visual, o fundo azul escuro ressalta bem as letras brancas, escolhidas para evidenciar o nome pelo qual o logradouro é mais conhecido. Até aí, de acordo. Só fiquei incomodado com a descrição sugerida para explicar quem foi o indivíduo ou qual o evento histórico homenageados. Pelo menos no esboço apresentado para a imprensa na semana passada, um detalhe me acendeu o sinal de alerta:
CARLOS GOMES
Av. Carlos Gomes
Antônio Carlos Gomes (1836-1896). Importante maestro e compositor brasileiro.
Como assim, "importante"? Claro que não estou questionando a importância do compositor campinense, autor de clássicos como a ópera Guarani, até hoje tema de abertura da Voz do Brasil. Mas não creio que seja função de uma placa de rua qualificar o personagem representado. Cabe-lhe explicar quem foi, que cargo exerceu, o que exatamente justifica o louvor público, tudo no breve espaço reservado para a descrição. Até por isso, deve ser um exercício de síntese e objetividade O qualificativo me parece inadequado também – e principalmente – por outro motivo: trata-se de um juízo de valor, nem sempre consensual. Se for assim, o burocrata redator da plaquinha pode se sentir tentado a colocar abaixo do João dos Anzóis, que supostamente tem seu nome adotado por uma desconhecida artéria da periferia, a palavra "insignificante".
Além disso, adjetivos tendem a se transformar em munição para o debate ideológico. Basta lembrar a incandescente polêmica em torno daquela avenida que liga a rodoviária da Capital à freeway, que reacende ao menor sopro. Melhor não arriscar. Sugiro à administração municipal e à empresa vencedora da concorrência para implantação das placas de rua nas esquinas esquisitas de Porto Alegre que se inspirem no conselho de Machado de Assis: "Os adjetivos passam, os substantivos ficam".
A propósito, na placa que leva o seu nome do autor de Dom Casmurro, no bairro Partenon, basta escrever "escritor brasileiro". Não é preciso dizer que foi o maior.