A adoção do árbitro assistente de vídeo, o chamado VAR, torna o futebol menos empolgante, um pouco mais chato até, mas inquestionavelmente mais honesto. Mesmo com todas as contestações decorrentes da demora nas decisões e de eventuais equívocos do colegiado de julgadores, a verdade é que as injustiças diminuem na proporção em que a transparência assume prioridade como prova das infrações. Nunca se viu tanto puxão de camisa, tanta pisada no pé do adversário nem tanto toque de mão, braço e antebraço na bola quanto atualmente.
Transpondo do espaço lúdico para a realidade nacional, a Vaza-Jato funciona como uma espécie de VAR das instituições republicanas e da política. Pode-se até condená-lo, por sua origem numa ação criminosa de espionagem digital ou simplesmente por fanatismo ideológico, como também ocorre no futebol, mas já são poucos os brasileiros sensatos que ainda duvidam da veracidade dos diálogos divulgados pelo site The Intercept e pelos veículos de mídia que lhe dão sustentação. Fica cada vez mais claro que, nos recentes embates contra a corrupção, alguns idolatrados craques nacionais também puxaram a camisa dos adversários.
Para quem acha que os fins justificam os meios, tudo bem. Como ensinou Maquiavel, que não é o autor da frase anterior, o vulgo sempre se deixa levar pela aparência e pelos resultados. Caneladas necessárias, diria aquele governante simplista.
Mas não há como ignorar que a impoluta senhora Ética sai um pouco chamuscada dessa história.
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Ética – diz o dito popular – é tudo o que você faz quando acha que ninguém está vendo (ou lendo, se adaptarmos o conceito aos nossos desconcertantes tempos digitais). Voltando à analogia com o futebol, registro aqui minha aversão aos famigerados treinos secretos. Até mesmo pela natureza do meu ofício, sou um apóstolo da transparência. Trabalhei como repórter esportivo numa época em que a visibilidade era total, o que não impediu a conquista de títulos nacionais pelos clubes gaúchos. Hoje, os treinadores escondem tudo o que fazem (da torcida, muito mais do que dos jornalistas) e suas equipes raramente mostram alguma coisa nova no jogo. A impressão que fica é a de que apenas tentam proteger a própria mediocridade.
Agentes públicos menos translúcidos se valem da mesma estratégia para ocultar suas deformidades. Pensam como aquele ex-ministro flagrado pela parabólica precursora dos hackers: "Sem escrúpulos: o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde". Não mais. Agora temos esse VAR informal da transparência digital. Há câmeras, microfones e algoritmos por todos os lados, no campo de jogo e nos bastidores da administração pública.
Governantes e representantes políticos que se cuidem. Não apenas com o que falam e digitam, mas, principalmente, com o que fazem com o mandato que lhes foi concedido pelos cidadãos.
O VAR da conscientização é irrecorrível.