Marcelo Adnet conquistou a Copa América antes da Seleção Brasileira, preenchendo os nem sempre atraentes shows do intervalo dos jogos com divertidas imitações de narradores esportivos e até mesmo de árbitros como o gaúcho fortão Anderson Daronco. Assim como já havia feito na última campanha eleitoral, provocando gargalhadas da maioria dos expectadores e a ira de alguns mal-humorados, o jovem humorista caprichou nos trejeitos físicos e nos vícios de linguagem de suas vítimas. Na galeria de Adnet, ao lado da antológica imitação do presidente Jair Bolsonaro, temos agora um Galvão Bueno com seus exageros emocionais e seus erres prolongados.
Adnet é um craque da imitação num país de imitadores natos. O brasileiro, com as devidas exceções, adora um arremedo – que é uma espécie de bullying suave, capaz de unir imitador e imitado no mesmo riso. O humor é reconhecido como uma poderosa arma de crítica, mas também pode ser um antídoto para os venenos da política. Na minha visão, contribui para reduzir a voltagem de agressividade das disputas eleitorais, ainda que algumas imitações de 2018 tenham gerado até ameaças de morte ao humorista da Globo.
— Ficou brabo? Morde o apêndice caudal — diziam os moleques do meu tempo, evidentemente sem a tradução para o politicamente correto, que tira a graça de qualquer piada. Pois aí está o busílis: quem se irrita com facilidade comete disparates, já advertia Salomão. Assim como os locutores esportivos encararam com alegria e até como homenagem as imitações de Adnet, também os políticos deveriam aproveitar as gracinhas televisivas para a autocorreção de suas imperfeições. Claro, ninguém jamais será suficientemente perfeito para escapar do olhar tomográfico de um bom imitador. Mas rir de si próprio é sempre um sinal de evolução.
Millôr Fernandes, outro Pelé do humor, deixou uma sentença definitiva sobre isso: “O homem é o único animal que ri – e é rindo que ele mostra o animal que realmente é”. Que Adnet aproveite o seu momento e o seu talento, pois a tecnologia já avança para tirar a graça dos imitadores de voz. Segundo li recentemente, a empresa canadense Lyrebird desenvolveu um robô que reproduz com tanta perfeição qualquer timbre e entonação que o jornalista Ashlee Vance, da Bloomberg, utilizou-o para uma conversa por telefone com a própria mãe – e ela se deixou enganar pela voz artificial.
Em breve, até o Galvão Bueno será dispensável.