Passei a manhã do último sábado numa agradável conversa de livraria, se é que se pode chamar assim o encontro entre autor e leitores que os adeptos do livro impresso ainda insistem em promover em plena revolução digital. No dia seguinte, na caminhada matinal com um companheiro de andanças, comentei distraidamente:
– Os livreiros estão apavorados. Quase ninguém mais compra livros.
Um desconhecido que caminhava nas proximidades ouviu o comentário e me interpelou:
– Peraí! – disse. – Eu compro livros.
Quando nos voltamos para o homem, ele sorria simpaticamente. Pediu desculpas pela intromissão e explicou que não conseguira se conter ao ouvir a minha frase. Aí também fiz questão de me explicar:
– Por isso eu disse “quase ninguém”. Parabéns por estar entre os resistentes.
Ainda somos muitos, imagino. Mas não tenho provas disso. A última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil de que tenho conhecimento foi divulgada em 2015. De lá para cá, os meios digitais avançaram avassaladoramente. Só para se ter uma ideia, no ano passado o país já contava com mais de um smartphone ativo por habitante. Se já líamos pouco antes de sermos atingidos pelo crescente turbilhão de mensagens pessoais, notícias curtas, vídeos e memes, agora mesmo é que temos cada vez “menos tempo” para abrir um livro. Coloquei entre aspas porque “falta de tempo” (com 32% de incidências) foi o motivo mais alegado pelos entrevistados por não terem lido sequer parte de um livro nos três meses anteriores ao levantamento.
Pelo que tenho observado em meus círculos de amizade, mesmo os autoproclamados leitores vorazes andam com pouco apetite para a leitura de textos longos. A comunicação digital está provocando uma mudança de paradigma desconcertante para a humanidade. Nunca se leu tanto, pois até a conversa mais elementar entre as pessoas passou a ser digitada. Mas poucas têm paciência para textos longos e para páginas impressas. Aliás, “falta de paciência” ficou em segundo lugar como desculpa dos não leitores, com 28% de respostas.
A pesquisa realizada pelo Ibope por encomenda do Instituto Pró-Livro revelou que 44% da população brasileira não lê e que 30% jamais comprou um livro. Também apontou as motivações pelas quais os resistentes, como o desconhecido que me interpelou no calçadão de Ipanema, continuam lendo: prazer de ler (25%), atualização cultural (19%), distração (15%), motivos religiosos (11%), crescimento pessoal (10%), exigência escolar (7%) e exigência do trabalho (7%).
Ainda me considero integrante desse grupo de militantes da resistência. Mas confesso que também tenho lido cada vez menos em razão desse feitiço eletrônico que a deusa tecnologia lançou sobre nós e que nos oferece uma janela instantânea para o mundo em troca da nossa máxima – quando não total – atenção.
Às vezes, tenho a impressão de que estamos repetindo, sem perceber, o mitológico pacto do doutor Fausto.