Como repórter morre repórter, ainda não descartei a pauta jornalística que imaginei no dia em que uma amiga querida e cúmplice de leituras confessou sua adesão ao leitor eletrônico digital. A ideia é simples: passar um dia inteiro numa biblioteca pública bem localizada para conferir quantas pessoas entram para consultar ou ler um livro de forma espontânea, sem a imposição de um trabalho escolar ou outro tipo de pesquisa obrigatória. Presumo que a tarefa de contar leitores será tão monótona que, possivelmente, terei tempo para ler dois ou três livros sem deixar de executá-la.
Quem, além de algum Matusalém, vai querer consultar a Barsa em tempos de Google?
As livrarias também sofrem fortemente os efeitos da revolução digital. Ainda que a maioria dos estudos comparativos apontem certas vantagens da leitura em papel, especialmente no que se refere à apreensão do sentido de uma história ou à ordem cronológica do seu desenvolvimento, a verdade é que a telinha luminosa atrai bem mais a atenção dos leitores contemporâneos, muitos deles reduzidos à simples condição de espiões de vídeos.
Neste cenário desconcertante para quem passou a vida virando páginas, soa tanto irônica quanto engraçada a história do cãozinho que roubou um livro da Infinity Livraria, em Novo Hamburgo. Ele entrou furtivamente, escolheu um exemplar da misteriosa autora italiana Elena Ferrante e saiu sem passar pelo caixa. Curiosamente, o livro intitulado Dias de Abandono conta a história de uma mulher abandonada pelo marido com dois filhos e um cachorro.
Porém, o simpático ladrãozinho peludo sequer teve tempo de saborear a leitura, pois um aluno da universidade onde se localiza a livraria constatou o furto e tratou de devolver o volume para a loja. Não sei se o cão e o jovem foram os únicos clientes daquele dia, mas o vídeo mostra que a funcionária do caixa estava completamente distraída. Mais um argumento para a minha pauta sobre a escassez de leitores de livros físicos.
E o mais irônico desta história inusitada é que só tomamos conhecimento dela porque uma câmera de segurança flagrou a rapinagem canina. Depois que o vídeo foi amplamente divulgado é que os escrevinhadores — inclusive este que vos digita — trataram do assunto em letra de fôrma.
Pelo jeito, esta batalha já está perdida, mesmo que todos os cães se transformem em leitores.